Caça Incessante

A garota apenas mantêm distância quieta, deixando que Ale'ek tire suas próprias conclusões sobre o ataque e observe melhor a cratera formada no centro da cidade. Ela mesma já havia observado o local por algum tempo antes do comandante da missão enfim chegar ali, mas não conseguiu achar informações novas ou obter conclusões que solucionassem o problema.

Algo em toda essa história parece não encaixar, simplesmente. É como se houvesse uma peça solta, mas a Jhayesiana coloca todas as suas expectativas apenas na ideia de conseguirem compreender o ataque terrorista através da ajuda do tal Pirata da Aliança.

O pequeno garesiano retorna da tarefa que lhe foi dada algum tempo depois, aparentemente demorando mais para criar coragem de andar até o mestiço e dirigir-se diretamente à ele do que para terminar a pesquisa que lhe foi solicitada. Receoso, ele aproxima-se e engole em seco.

— S-senhor... Apenas consegui encontrar informações de um aparelhomasjuro queseprecisar euprocuro maistalvez apesquisanão tenhasido suficienteou muitoprecisa desculpa. — Ele dispara, apertando um botão no estranho traje especial que usa, projetando um pequeno painel de HUD. — N-Nossos equipamentos registraram atividade de um dispositivo em posse de Kadlevy, uma Iormashiana turista, mas que pode ainda estar na cidade.

— S-sim senhor, s-só um momento por favor. — O garesiano afirma com a cabeça algumas vezes seguidas, antes de mais uma vez afastar-se do grupo e retomar à pesquisa.

A garota mantêm-se ali, oferecendo um sorriso confiante ao comandante da missão. Se fosse ajudar no andamento da pesquisa, ela aceitaria seus comandos sem titubear. Além disso, a loira imagina que não conseguiram explorar cada um dos cantos do local, seria impossível.

— Entendido. Acho que poderemos encontrar algo útil aqui se procurarmos melhor, não tivemos tempo para uma análise mais minuciosa até o momento.

Konira se mantem próxima, mas abaixa para voltar a analisar o terreno com algum equipamento desconhecido pelo homem, provavelmente uma invenção recente para auxiliar naquele tipo de trabalho. Alguns segundos depois, o pequeno retorna mais uma vez, com um pouco menos de receio. Talvez por sentir maior segurança, já que dessa vez parece ter informações mais completas para dar ao temido soldado.

— T-tenho boas notícias, senhor. D-descobri que Kadlevy ainda está na cidade, hospedada em um hotel distante daqui. — No painel projetado pelo traje de Nobab, é possível visualizar uma planta da cidade em 3D, indicando a localização exata do hotel. — P-posso mandar as coordenadas exatas para seu dispositivo. S-se o senhor desejar, é claro.

A ordem faz com que o garesiano comprima os lábios, um pouco aflito. Ele assente com a cabeça várias vezes seguidas, claramente não ousaria desrespeitar ordens de um soldado. Já a garota, olha mais uma vez para o homem, dessa vez com uma expressão séria, mas sem desespero como a do companheiro.

— Não se preocupe, estaremos aqui. Avisaremos caso algo aconteça. — Ela responde com tranquilidade, conforme o homem se afasta.

Quando começa a seguir o caminho para o hotel, Ale'ek pode sentir seu technophone vibrar, indicando uma nova mensagem. São as coordenadas prometidas pelo garesiano, enviadas por ele. Provavelmente este recebeu o contato do chefe daqueles que os escalaram para a missão.

O caminho é tranquilo, apesar da chuva. Ele apenas vê alguns oficiais que verificam as identidades daqueles que passam por ali. Não há muitas pessoas nas ruas, já que grande parte aparentemente foi afetada pela tal substância azul, ou estão assustados demais para sair de casa.

O caminho de Ale'ek é curto, mas marcado por uma sensação constante de que está sendo observado. Através de sua visão periférica, poderia perceber algumas das diversas câmeras da cidade apontadas diretamente para ele, como se acompanhassem cada passo.

O hotel é de fato luxuoso, conhecido por abrigar os convidados de luxo do planeta que têm a hospedagem muitas vezes paga pela própria Aliança. Estes são burocratas da elite que estão fazendo algo muito importante no planeta ou que precisam ser protegidos.

A atendente do hotel é, na realidade, robótica. Nos hotéis mais luxuosos, quase todos os funcionários foram substituídos por sintéticos uma vez que programá-los é muito mais fácil e eficiente do que treinar um garoto. Este sintético é identificado em um crachá como HO-914.

— Boa tarde, senhor. Com o que posso ajudá-lo? — Ele diz como parte de sua programação básica enquanto revela um scanner na região de seus olhos para averiguar o distintivo. — Bem-vindo, soldado #8226450.

O sintético identifica com sucesso as credenciais fornecidas e passa Ale'ek na frente de todos os outros na lista de prioridade para atendimento, deixando alguns olhares zangados para o soldado. Ao mesmo tempo, ele mantém-se parado por alguns instantes para checar seu banco de dados e responder aos questionamentos do oficial.

— A hóspede Kadlevy é filha de Jahi, um embaixador Iormashiano de Neteros. Ela está aqui a pedido de seu pai que comparece a um congresso e está localizada no quarto D-24. Aproveite sua estadia!

Ale'ek não vê nenhuma movimentação estranha de câmeras enquanto dentro das instalações do hotel, mas percebe passos se camuflando nos dele com uma técnica boa de furtividade. Apesar disso, os sentidos aguçados que resultam do treinamento do oficial, tornam capaz o rastreamento da origem desses passos: eles vêm da escada do hotel e tentam acompanhá-lo lentamente.

Já no andar do quarto, o pirata sente-se uma vez mais observado, e dessa vez pode definir por onde: um homem encapuzado o observa a partir de um prédio ao lado e se esconde assim que é notado. Ale'ek tem dois perseguidores e, seja lá quem são, não querem que ele termine a investigação.

Silenciosamente, o oficial é capaz de hackear a porta e invadir o quarto de seu alvo que sequer percebe a manobra. Não é para menos: o quarto está totalmente escuro e silencioso, sem falar na bagunça que se espalha por todo o local. Apesar disso, de acordo com as informações de Nobab, a garota está sim no local.

Ale'ek encontra alguns itens de valor mas não o tecnophone da hóspede, seu verdadeiro objetivo. Em meio a busca, porém, ele é surpreendido com o súbito acender das luzes e uma voz por trás de si que exclama em um misto de medo e raiva.

— Quem diabos é você e o que está fazendo no meu quarto?! — Ela indaga com uma pistola na mão que aponta de maneira meio torta para a cabeça do pirata. — E se der um passo eu juro que te mato!


De fato ela bate com a descrição de Nobab: a garota é uma Iormashiana pura; fato evidenciado pelo seu corpo antropomórfico e pelo seu sotaque carregado. Além de suas vestes evidenciarem riqueza, Ale'ek sabe que a arma que ela porta é pouco potente e geralmente utilizada para auto defesa. A maneira que ela segura o item também mostra pouca familiaridade com este.

Por mais que Ale'ek analise o corpo da Iormashiana, ele não encontra nenhum tipo de ferimento ou sequer arranhão em sua pelagem. A única coisa que nota na inspeção minuciosa é um pequeno e inchado furo em seu braço esquerdo, característico do uso de drogas injetáveis naquela região.

Quando Kadlevy vê o distintivo, seus olhos parecem arregalar-se mais ao invés de se acalmarem. Apesar disso ela sabe que não pode manter uma arma apontada para um oficial e, mesmo em alerta, obedece a autoridade e ensaia um pedido de desculpas.

— M-Me desculpe, Ale'ek. Eu tenho a sensação de que estou sendo seguida ultimamente e de repente o senhor aparece no meu quarto... — Ela diz enquanto joga-se no grande e confortável sofá do quarto. — E eu estava no festival pouco tempo antes do ataque, mas não sei como posso te ajudar.

Quando o oficial cita seu aparelho, a garota congela. Já estava acanhada e ruborizada por estar na presença deste, mas a única coisa que não desejaria mostrar a um membro da Aliança seria seu aparelho. Claramente nervosa, ela responde enquanto evita olhar diretamente nos olhos de Ale'ek.

— I-Infelizmente não posso mostrá-lo para o senhor. — Ela responde, descaradamente escondendo o aparelho atrás de si. — E imagino que não tenha mandato pra isso, ou já teria me mostrado. Mas posso te falar qualquer coisa que precisar saber.

Ale'ek ouve passos no corredor de onde viera. A porta está destrancada após sua ação, e eles parecem se aproximar cada vez mais.

Kadlevy, ainda que hesitante, convence-se pelo tom suave do capitão. Sua mão trêmula, do mesmo lado do braço marcado por seringas, desbloqueia o aparelho através de uma senha e leva até o oficial e logo volta ao entorno do corpo jovem da Iormashiana. Ela recolhe os braços, tímida, sabendo que ele encontrará coisas que ela não gostaria que uma autoridade visse.

O dispositivo, agora desbloqueado, exibe um menu intuitivo presente em todos os tecnophones da época. Nele, Ale'ek pode acessar mensagens, gravações, fotos e até mesmo anotações. Ao mesmo tempo, porém, os passos parecem se aproximar cada vez mais e, ao mesmo tempo, ele pode ver de relance um laser vermelho vasculhando as janelas do quarto.

— T-Tudo bem, vou colaborar. Só... não diga nada a ninguém.

Paralelamente, Ale'ek recebe uma notificação em seu próprio dispositivo. É uma mensagem de sua aliada na missão, a qual ficou encarregada de avisá-lo caso algo errado aconteça.

Konira escreveu:

Senhor, estava vasculhando a rede local e recebi uma varredura estranha da sua área. É como se houvesse uma interferência no sinal, o que é muito estranho pra tecnologia de Gradopolis. Talvez seja a última mensagem que eu vá conseguir enviar para o senhor já que a interferência vêm ficando mais forte, então eu sugeriria que tomasse cuidado. Problemas de conexão raramente são acidentais.

Ale'ek encontra no aparelho indícios comuns de uma adolescente com alto poder aquisitivo. Em gravações e fotos ela é vista com alguns amigos em uma festa com luzes e uma música alta de fundo. O motivo de seu medo é revelado quando, durante um vídeo, um deles compra drogas de um traficante mascarado em uma viela escura. Em Gradopolis e em muitos terrenos da Aliança, drogas como aquela são estritamente proibidas.

A única gravação que realmente chama a atenção é uma feita justamente próxima á estátua que foi explodida na noite anterior. Enquanto assiste, Ale'ek tem a sensação de que viu algo piscar no fundo, mas não pode determinar precisamente o que aconteceu numa análise tão superficial.

Ao mesmo tempo que carrega a Iormashiana, totalmente sem reação após a atitude do capitão, Ale'ek encontra alguns itens no quarto.mas nada realmente letal. Na estalagem, feita para acomodar hospedes de luxo, ele encontra apenas utensílios doméstico, algumas comidas num frigobar, um pequeno forno elétrico e alguns itens de higiene pessoal. Se quiser usar o ambiente a seu favor, terá que improvisar com pouco.

— O que está acontecendo, senhor? — Sussurra a menina assustada, agora também ouvindo os passos que já estão rente a porta de entrada do quarto.

Percebendo enfim a situação na qual se encontra, Kadlevy tenta ajudar seu protetor como pode. Com um toque num pequeno controle concedido pelo hotel ela apaga uma vez mais as luzes, como vez quando pensou que Ale'ek era o invasor.

— Olá, você acaba de ligar para a recepção. Como posso ajudá-lo? — Indaga uma voz robótica do outro lado da linha.

Ao mesmo tempo, a porta é aberta. Ale'ek, que tem uma boa visão mesmo em ambientes escuros, pode ver uma silhueta humanoide vasculhando o quarto e procurando pelos dois. O agressor, por outro lado, não parece ter a mesma habilidade e precisa contar com uma pequena lanterna acoplada a seu traje para caminhar pelo espaço.

— Acionarei o esquema de segurança imediatamente. Mantenha-se na linha se possível. — É tudo que diz a voz robótica do outro lado da linha.

O invasor subitamente para quando Ale'ek começa a falar ao telefone, demonstrando que tem uma ótima audição. Como um assassino implacável ele vasculha a área próxima do local de onde o som veio, mas não sem antes digitar alguma coisa em um aparelho preso ao seu braço.

Depois disso, o laser que o capitão vira anteriormente volta a aparecer, dessa vez próximo de onde a dupla está escondida. Ao mesmo tempo, a entidade que invadiu o quarto caminha vagarosamente até o local com uma katana aparentemente feita de ferro comum em mãos. Com sua boa visão, o mestiço já pode identificar sua silhueta.

— Você é Ale'ek, pirata espacial a serviço da Aliança. —  Ele diz enquanto gira a arma com o pulso, preparado para responder a qualquer ataque. — E está se metendo aonde não deveria. Entregue a garota e deixe o quarto, darei a ordem para meu atirador liberá-lo.