Fisgado pela pesca

O velho estreita um pouco os olhos enquanto encara a figura. mesmo sendo idoso e um pouco corcunda, sua altura quase se compara a do pescador. Além disso, é visível através da pouca flacidez de sua pele que já possuiu um porte atlético considerável no passado, mas claramente não têm mais energia para nada.

— Heh. — Ele desvia o olhar, incapaz de divertir-se junto com Finn. — Têm gente por aí que não gosta muito de mim, rapaz. Se você diz, eu confio em você. Veio até aqui, deu comida aos meus filhos e os ensinou coisas novas. Eu só tenho a lhe agradecer.

Ele olha para as crianças por cima do ombro, que parecem um pouco sonolentas apesar de ainda comerem.

— Você é bem-vindo aqui sempre que quiser, Finn. Eu vou querer ouvir sua história alguma hora.

Ele ria, sem jeito pelos elogios e pela inocência. Assim, aproveitando que está em pé, antes que o velho falasse que era bem vindo, começou a arrumar suas coisas.

— Ah, obrigado. Também estou curiosos sobre as suas... — disse e o pouco tempo em silêncio denunciou parecer pensativo — Quid pro quo que fala, né? Não sei, vi num filme há muuito tempo — Assim, se levantou com tudo pronto, deixando as suas formas de peixes para seus recém-conhecidos.

— Bom, vou indo! Qualquer coisa estarei pelo rio, se eu não estiver por aqui perto, sigam o curso que eu tô por aí! — disse ele, como sempre amigável — Se cuidem!

Assim, se virava depois de alguns acenos e ia até a ponta do rio. Chegando lá, chamava por Octavio que aparecia em segundos e logo subia nele. Arrumou suas coisas nas suas costas e deitou-se com a cabeça na mochila. Dormiu assim, boiando com Octavio que acordava fácil por sua natureza.

Antes que partisse, Finn ainda poderia ouvir um simples murmúrio do velho. Não é certo se ele estava pensando alto ou se sua fala simplesmente carregava certa vergonha ou incerteza, mas ele diz num tom baixo com sinceridade.

— Isso... seria impossível.

Ao longe ele poderia ouvir as crianças protestando por não terem a oportunidade de se despedir do pescador enquanto o velho tenta as acalmar e colocar para dormir. A vida naquela gruta parece pacífica e harmoniosa apesar de tudo, mas ver o velho de perto confirma com certeza que ele é homem que Finn viu nas imagens anexadas ao contrato.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Uma manhã nublada e de clima ameno impera na bela paisagem onde Finn está com seu polvo. O planeta, apesar de grande, é pouco populado por conta das tradições dos nativos de não ter muitos filhos, e por isso o único som audível é o da forte cachoeira que embeleza o local. É de fato um lugar que contrasta com a presença de um assassino.

Novamente, não há ninguém por perto exceto alguns pássaros que têm seu canto ofuscado pela queda d'água. Agora com o ambiente iluminado, porém, Finn pode ver que que a gruta do velho está vazia, mas existem alguns itens apoiados nesta como roupas e bolsas. O velho e as crianças saíram, mas não abandonaram o local.

Ficou contente deles não fugirem, assim, ainda tinha chances de descobrir mais coisas em prol de sua curiosidade – apesar dele estar quase aceitando que nada disso aconteceria.
Depois da conversa de ontem, pôde notar que o velho não iria abrir a boca facilmente. E, para um mercenário que parece carregar um bom currículo (o bastante para se arrepender), isto normalmente acontece. Se ele disse que não vai acontecer mais do que aquilo, não irá a menos que algo muito pesado ocorra.

Mesmo pensando isso, não queria ter que ser trivial e óbvio para usar das crianças para abrir a boca do velho.

Mas enfim, Finn acordou e, com a ajuda de Octavio, foi seguindo o fluxo do rio. Sentado em cima do polvo que guiava pelo fluxo, Finn procurava por galhos e/ou temperos para melhorar o peixe da manhã.

Sua procura não tarda a dar frutos. Finn encontra materiais suficientes para fazer o necessário para se manter mais aquela manhã, o que mostra que Ashinara é de fato repleta de recursos inexplorados.

Ao seu redor, o barulho da cachoeira ainda impera. Algumas vozes infantis, porém, são ouvidas ao longe na direção dessa, o que denuncia que a pequena família ainda está próxima. Por permanecerem vindas do mesmo lugar, é dedutível que os três permanecem imóveis.

Decidiu, desta vez, não ir atrás. Iria fazer sua fogueira e ver se eles viriam atrás. Se as crianças viessem, ainda por cima, seria melhor ainda.

Assim o fez, armou sua fogueira com Octavio nadando a sua frente. Tirou sua forma de peixe e começou a fritar seus peixes com os temperos naturais que havia encontrado. De vez em quando atirava sobras dos peixes para Octavio, que também se alimentava dos peixes (vivos).

Demoram alguns minutos até que as crianças voltem com o velho. Dessa vez, eles levam consigo algumas vasilhas molhadas e sacos de couro, possivelmente retornando de uma busca por minérios preciosos nas águas rasas daquela cachoeira. A julgar pelo volume nos sacos, porém, não tiveram muita sorte.

Ainda assim, eles retornam contentes e conversando entre si. O idoso é o primeiro a notar a presença do novo "vizinho" e logo chama a atenção das crianças para este.

— Olá, Finn! — Ele acena ao longe. — Está aproveitando a tarde fresca? Precisa de alguma coisa?

Por trás da máscara ele sorria, vendo que o velho realmente agia com a falsa inocência. Assim, ele se virou e acenou.

— Só aproveitando o famoso café da manhã, HAHA! — dizia ele, alegre — Não, não, está tudo tranquilo. Se quiserem se juntar, sem problemas, podem chegar!

Enquanto isso, Octavio se mantinha na busca por peixes frescos.

Ele diz algo em baixo tom para as crianças, e é respondido com protestos dos pequenos animados para rever o pescador. Um pouco relutante, ele guia as duas para a direção do pescador e seu polvo.

O ritmo lento e descompassado do velho é quebrado quando os pequenos avistam o polvo e expressam surpresa e empolgação. Ella mais exagerada, enquanto Donny se mantém um pouco contido.

— QUE LEGAL TIO! ENTÃO ESSE AÍ É O TAL DO OCTAVIO? EU POSSO ENCONSTAR?! — Ela exclama enquanto deixa a vasilha para trás e corre pela mata em direção ao pescador.

— Ah Ella, que saco. Você precisa fazer sempre esse escândalo todo? — Retruca Donny, já na fase de querer parecer mais maduro. Ainda assim, ele não contém seu ânimo e ruma em direção ao polvo também.

O velho aperta um pouco os olhos com a situação. Ainda não sabe exatamente se pode ou não confiar em Finn, mas até então não tinha nenhum motivo para não fazê-lo. Sendo assim, ele apenas apanha os itens deixados pelos garotos e ruma a caverna.

— Eu vou deixar isso lá na gruta e logo volto aqui. Por favor, cuide dos garotos um pouquinho, sim?

Octavio que aparecia de relance por estar buscando os peixes de cima, percebeu toda a vibração sonora causada pela criança e se ergueu. Ele parecia boiar, parecendo ter inflado a cabeça.

— Sim, esse é o Octavio e podem encostar sim, desde que não seja nas ventosas, haha! — Octavio erguia seu tentáculo em resposta a isso, deixando as crianças encostar nele.

— E tá tudo bem, Donny, pode encostar também — dizia enquanto acenava positivamente com a cabeça para o velho, afirmando que cuidaria deles sim.

A garota, mais extrovertida, brinca com o animal enquanto se diverte. Com o pensamento rápido de uma criança, nem mesmo lembra que há cinco minutos atrás estava ajudando o velho a trabalhar e concentra-se agora totalmente no animal.

— Onde que você arranjou uma coisa dessas? Eu nunca vi um bicho assim! Também, a gente não sai muito daqui desse planeta. — Ela torce os lábios por um momento.

Donny, incentivado por Finn, também encosta no polvo. Ele não parece divertir-se como Ella e sim estudá-lo. É visível que ele é um rapaz mais curioso e estudioso que a sua irmã.

— Ahm... senhor, desculpe... ele é terráqueo? Nós viemos de lá, mas não lembramos muito de como era.

Ele sorri com a tristeza da criança de se manter presa neste planeta sem graça e aumenta o sorriso quando este vê os olhos do garoto. Viu que ambos não tinham o desejo de ficar aqui, na verdade, não tinham a alma para se manter presos.
De um lado uma curiosa, extrovertida e impulsiva, que agora provavelmente teria sua chama da curiosidade acesa de verdade, das quais as fagulhas anteriores nada se comparariam.
Do outro lado, havia um garoto estudioso que se forçava a amadurecer para tentar se provar. Com certeza não era extrovertido, mas também não era introvertido; era apenas calculista. Contudo, sua curiosidade se mantinha, mesmo que de forma totalmente diferente e mais "a fundo".

— Ah, não, não. Ele é um animal do planeta Betelgeuse, fui pescar uma vez lá e me encantei com ele! Haha! — coçava a nuca, com vergonha de dizer tais palavras.

Enquanto isso, Octavio parecia brincar, provocando as crianças com velocidade. Coisa que Ella poderia achar interessante inocentemente, mas Donny iria ver a inteligência do animal.

Ella nem parece dar ouvidos a conversa dos dois, e parece muito mais entretida com Octavio. De repente, surge em sua mente ideias malucas de adotar um igual, fazer de animal doméstico, arranjar uma namorada pra ele, ter filhotinhas e mil outras coisas.

— Ei, tio, como eu consigo um desse? Eu preciso ir lá pro planeta blablabla também?

Em passos vagarosos, o velho deixa a caverna e caminha na direção do trio. Em sua mão ele carrega agora alguns tecidos improvisados para secar as crianças quando deixassem a água.

— Betelgeuse... eu nunca ouvi falar nesse, o vovô nunca falou. Você visita muitos planetas? — Pergunta Donny, desprezando as perguntas infantis de sua irmã.

— Vai precisar sim. EU, pelo menos, não conheci essa espécie em mais nenhum outro planeta — ele falava, meio perdido com ambas perguntas sendo feitas uma atrás da outra.

— Visito sim, me veja como um... Mercenário de peixes, sabe? Haha! Eu caço peixes e as vezes pedem pra eu caçar alguns raros ou eu vou simplesmente porque estou curioso, é bem legal — falava ele, olhando pro horizonte, imaginando seus feitos.

Em seguida, viu o vovô vindo e acenou para ele.

— Hm... que pena, o vovô disse que só deixa a gente sair sozinho quando a gente for mais velho. E ele já é velhinho e não pode ir com a gente pra planeta perigoso por aí! — Ela lamenta e faz bico, mas não passa de um sentimento passageiro.

O senhor faz certo esforço para sentar-se ao lado do trio e observa as crianças brincando com o polvo com um sorriso no rosto. Ele não parece surpreso com a presença do animal, tampouco parece desconhecer sua origem.

— Eu estou esquentando água para fazer um chá mais tarde e trouxe alguns tecidos para se secarem. — Ele diz enquanto pisca incessantemente os olhos que já quase não se abrem, com o objetivo de afastar a maresia. — Muito obrigado por estar apresentando tantas coisas para essas crianças, Finn. Eu já não tenho mais muito o que ensinar a elas, sabe? Mas, diga-me, você ficou de me contar a sua história ontem.

— Ah, não se preocupe com lugar perigoso, Ella! Betelgeuse só tem animal dócil, porque a espécie do Octavio prevalece lá, eles são os maiores predadores, haha! Se você fizer amizade com um, ninguém te faz mal — dizia, antes que tivesse o convite de ter sua história contada.

— Ah, não se preocupa, eles são curiosos por natureza, só estou respondendo, haha! — ele falava isso pois viu o agradecimento como um pagamento ao ensinamento, mas queria mostrar que não fazia exatamente por querer — Não tenho muitas histórias interessantes... Ao menos nenhuma que não envolva peixe ou bebida, haha! E acho que elas não seriam muito interessante pros dois ali escutarem, hihi — ele coçava sua nuca com vergonha. Mas, para evitar a conversa, tentando deixar o velho nervoso ou confuso, ele levantou. Bateu palmas e gritou:

— QUEM QUER ANDAR NO OCTAVIO?

— Ah, não me diga isso. Eu tenho certeza que... — O velho começa, mas é interrompido pela abrupta atitude de Finn. Nesse momento, ele aperta os olhos em direção ao pescador.

Suas suspeitas que haviam cessado na noite anterior voltam a tona: talvez Finn esteja atrás de si. Sua dúvida vem do motivo mais banal e ainda característico de todos - não existe um pescador que não conta histórias. Talvez esse seja um erro na interpretação do assassino.

— EEEEEEEEEEU! — Exclama Ella numa euforia única da pequena enquanto já tenta subir para montar no polvo. Sem sequer pedir por permissão, ela usa seu irmão de escadinha para tal.

— Hm... eu vou, mas só para ver como é. — Donny disfarça enquanto tenta afastar os pés da irmã de seu ombro.

O velho, porém, está mais atento agora. Seus olhos antes cansados e sem motivação agora se apertam num misto de sentimentos em direção a Finn. Já não sabe mais se é segura deixar suas crianças com ele.

— Subam vocês, vou acompanhar vocês a pé por aqui — gritava para as crianças, em seguida se virou para o velho — Vamos pela borda, assim podemos ficar de olho qualquer coisa.

Ajudou-o a se levantar caso precisasse e quando os dois estavam em cima de Octavio, este começou a boiar vagarosamente para a esquerda e direita, enquanto se mantinha no fluxo do rio.

— Todo lugar que eu vou, eu visito o bar. Mas, se tornou cansativo — dizia ele, começando seu novo plano. Desta vez, queria crescer a empatia, ou melhor, uma equidade na vida de ambos — Sabe? Eu comecei a ver que um tagarela é sempre demais em certos locais. Este planeta é o maior exemplo disso, o pessoal daqui só me escutaria por educação, não por curiosidade! — continuava ele, mantendo um tom que as crianças certamente não iriam entender, principalmente por estarem com Octavio. Assim, ele poderia jogar as cartas tranquilamente, mantendo seriedade e parecendo menos bobo (sem as crianças perderem interesse nele).

— Isso me faz perguntar, com toda educação, por que tem tanto interesse nas minhas histórias? O senhor não é um bêbado que ri de qualquer coisa. Dá para ver que teve uma ótima educação, uma educação tão grande que as vezes fico confuso em como falar com o senhor, me sinto até forçado em ser educado também, haha! — continuava, tagarelando. O que também combinava em não deixar o velho pensar em outras coisas além de suas falas.

As suspeitas do velho não se afastam de imediato. Talvez Finn tenha percebido sua mudança de humor ou até mesmo uma falha na própria interpretação e se auto-corrigido. De qualquer maneira, passaria a confiar mais nos seus instintos diante daquele homem.

A ideia do pescador é de fato eficiente. As crianças estão entretidas, cada uma por seu motivo, e já não dão a menor atenção para a dupla. Uma pessoa habilidosa como Finn sempre saberia usar qualquer recurso inusitado para tirar vantagem em uma situação; algo como um polvo gigante.

— Eu simplesmente gosto de ouvir histórias. Como não saio muito daqui, converso com poucas pessoas além de Ella, Donny e alguns poucos nativos. As histórias das crianças eu já conheço e os nativos sempre contam a mesma coisa e no final tentam te convencer a "liberar seu espírito". Vou aproveitar sua passagem para conversar com gente de fora, entende? E não se preocupe, essa tal educação eu aprendi com o tempo e tento passar para as crianças também. Você também pode aprender, basta praticar!

— Mas... O senhor tem aquela cara de quem ouviu e viveu muitas histórias — passou alguns segundos sem perceber que o que havia dito poderia ser grosseria — SEM QUERER OFENDER, HAHA! — gritou, alto o bastante para as crianças ouvirem, nervoso e coçando a nuca como de costume.

— Tá... Tu me convenceu, haha, vou te contar algumas histórias... — disse, como um suspiro. Contudo, antes que pudesse ouvir a resposta — MAS! — gritou, em protesto — É o que eu disse antes, tem que ter uma troca! Igual conversa de bêbado, um fala, outro ri, aí o outro fala e o um ri.

O velho pergunta-se por um momento se deveria de fato responder a verdade para Finn. De uma maneira ou de outra, se ele fosse um espião ou algo do tipo, já deveria saber sobre aquelas informações, então não teria motivo para guardá-las. Caso o fizesse, também, estaria sendo injusto com um homem possivelmente honesto.

— Oh... pra falar a verdade, Finn... — Ele começa, unindo as duas mãos nas costas e observando as crianças. — Eu não tenho muitas histórias para te contar. Sabe, vou ser franco com você, eu não me lembro de absolutamente nada. Seja lá quem eu era, chegou um ponto em que decidi passar por um tratamento experimental para apagar minha memória, e tudo que sei são coisas básicas que não se esquece como idiomas, andar de bicicleta e tricotar. Minha memória mais antiga é de acordar numa clínica há sete anos atrás.

— Ah, então é por isso que você acha que estou atrás de ti? Faz sentido — ele dizia, enquanto realmente pensava sobre isso, era uma decisão incrivel. Fazer esquecer para nunca ter o sentimento de amargura. No entanto, a falta de memória é sempre irritante — Se eu tirasse minha memória, teria que ser por algo bem pesado... É... — falava, voltando a interpretar seu personagem, pensando consigo mesmo.

— Agora fiquei ainda mais interessado contigo! Ótima troca de histórias — continuava, tagarela — Tá! Minha vez.

Ele parou um tempo, pensando. Iria começar do inicio, assim como ele começou.

— Como eu disse, eu morava no interior, conhecia todo mundo e era amigo de todo mundo. Não tinha muito problema... Mas, não tinha problema justamente por ser uma bolha, sabe? Todo mundo concordava com as mesmas coisas, era estranho. Fugi logo que tive oportunidade. — ele falava, apressado pois queria saber mais da história do velho — Agora tu, de novo. Como é saber que o seu passado quer ser esquecido?

— É exatamente isso. Eu não sei, depois que saí da clínica e comecei a me habituar a vida, time pressentimentos. Senti olhares estranhos. — Ele divaga por um momento enquanto olha para o nada. Parece se abrir novamente com Finn justamente por sentir a surpresa quando ele revelou aquele dado, evidenciando que ele não é algum tipo de espião. — As vezes eu ficava meio paranoico, mas as crianças me ensinaram a esquecer essa sensação.

Ele ouve com atenção o relato do pescador e vê sinceridade neste. Talvez por ser vago e não ter nenhum dado concreto, mas ele de fato se sente na pele de Finn por alguns instantes e vê sentido em sua atitude. Pacientemente, aguardou sua vez de falar.

— Eu não sei bem, e prefiro não pensar muito em quem eu era. A doutora que realizou o procedimento não quis me falar muito sobre isso também, então eu ainda tenho esperança que alguém possa tê-la mandado fazer isso. Ainda assim, eu não me sinto mal. Sinto que eu já não sou mais a mesma pessoa, seja lá quem for que eu costumava ser. Uma pessoa é feita de memórias e experiências, certo? Uma pessoa sem isso é uma pessoa nova, e logo eu acho que "nasci de novo". Você não acha?

Dessa vez, ele direciona seu olhar para Finn. Não é uma pergunta retórica, ele de fato aguarda a opinião sincera do pescador sobre aquilo. Obtendo resposta ou não, continuaria a respeitar a ordem de perguntar após falar.

— Então você se sente diferente dos outros, hm? O que te faz diferente?

Ele acenava positivamente conforme o velho falava, veridicamente interessado.

— É, muitas coisas pra se pensar. Não sei o que eu faria, mas acho que seria o mesmo que se eu acordasse sem meu passado, mas tivesse o Octavio! Seria bom o bastante... — divagava conforme o velho falava, sempre concordando com o que fosse dito.

Então, chegou sua vez, novamente. Ele simplesmente negou com a cabeça e as mãos e falou:

— Não, não! Não diferente... Longe disso, éramos todo mundo igual. Isso que me deixou incomodado, não havia diferença, não havia intriga, não havia nada diferente e interessante. Era o mesmo do mesmo a cada almoço, comíamos o que plantavamos sempre, sabe? — ele então, demorou alguns segundos para dar uma leve e calorosa risada — Acho que isso faz com que nem todo mundo lá fosse igual, haha!

Então, ele olhou novamente para o velho. As crianças continuavam ali, divertindo-se. Pulando por todo o Octavio que cuidava da segurança deles como um pai extremamente protetor.

— Porque tu esconde isso? É algo tão legal! As crianças iriam adorar saber!

Ele ouve pacientemente o pescador, dedicado a entendê-lo. Suas palavras parecem vagas ainda, uma vez que ele não têm muitas recordações de vida em sociedade, mas pode entender um pouco dos motivos para a decisão de Finn. Ainda assim, tinha dificuldade em compreender como uma pessoa que tem a chance que ele não tem, de conviver sem medo com outros, desperdiça isso.

— Faz um pouco de sentido. Não sei se eu compreenderia bem, mas parece sufocante.

Após a pergunta, ele permanece observando o sorriso dos netos ao fundo, refletindo sobre o assunto; mas certamente não pela primeira vez.

— Eu já considerei isso, Finn. O problema é que são crianças muito curiosas e arteiras. Tenho medo do que vão achar se procurarem sobre mim. Não só por elas, mas por mim também. Mas, enfim, você não sente falta de quem deixou pra trás?