Fisgado pela pesca

Não tinha o que fazer, teria que contornar o rio. Sorte que havia Octavio, assim não cansava nem um pouco e sua movimentação era um pouco mais acelerada.

Esperava chegar lá com um pouco mais de velocidade, ou ao menos antes do anoitecer. Seria difícil reconhecer o alvo antes de ser reconhecido se fosse à noite, afinal, estaria no território dele.

Não é preciso muito tempo de caminhada para que Octávio se sinta cansado e diminua a velocidade. Provavelmente o motivo é que a gravidade de Ashinara é um tanto maior do que os padrões de vida habitável, especialmente do planeta natal de Finn, e isso faz com que sinta mais peso e desgaste ao percorrer o trajeto.

Por conta desse cansaço e da distância a ser percorrida, os dois levam horas para conseguir alcançar a faixa de terra que torna possível atravessar aquele espaço longe da água. Especialmente naquela estação do ano, o sol se põe bastante cedo e a dupla se vê em um estágio de transição entre o dia e a noite do planeta; quando tanto a estrela quanto as duas luas de Ashinara são visíveis.

Diante de si, Finn encontra a vegetação média que a garota o citou, e ela parece cobrir o corpo até a altura da cintura.

— Desculpa, Octavio, mas agora que chegamos mais perto está mais tranquilo. Vamos ficar por aqui, se quiser se refrescar pode ir — disse enquanto descia de seu familiar que logo se aprontou a se atirar na água. Fazia tempos que não se refrescava e, depois de toda a caminhada, isso era como dormir várias horas de sono, apesar dele ficar preguiçoso logo em seguida.

Enquanto isso, procurava galhos para criar uma pequena fogueira, um pouco longe da vegetação. Utilizaria de uma pedra que havia na mochila de Octavio que tinha pego enquanto descia dele.

Ambos, Octavio e Finn, ficavam atento um com o outro e um para o outro.

Enquanto procura por galhos secos, Finn pode perceber que muito da lenha do local já foi coletada. Além disso, uma baixa luminosidade pode ser enxergada por trás dos densos arbustos que cobrem os arredores daquele local, vindos da direção das coordenadas que ele deveria seguir.

Alguns sons se confundem no vento intenso que acompanha as noites escuras de Ashinara, mal-iluminadas por seus satélites naturais. Alguns deles são agudos e altos, e podem se assemelhar com lufadas de ar passando rapidamente por um fresta - ou com o grito de uma criança.

De um jeito ou de outro, Finn não parece bem-sucedido em encontrar recursos para seu acampamento, e termina com uma quantidade insuficiente para acender uma fogueira.

Pelo jeito, teria que ir de encontro ao alvo e tentar ser amigável de início. Um começo precoce e de certa forma emocionante para Finn.
Ele pegou um de seus peixes que estavam pendurados ao lado de Octavio, após chamá-lo e botou sua vara para fora. Fincou seu peixe na cintura, como se tentasse insinuar que havia recém pego ele, enquanto andava na direção da baixa iluminação que tinha visto.

— Alô?! Tem alguém por aqui? — continuava com a vara na mão e espantava o matagal com o braço direito que estava livre. Se movimentava devagar para ouvir o que poderia se aproximar até ele. Atento aos arredores.

Por estratégia, andava perto, mas não na borda, do rio, onde Octavio acompanhava atento para proteger o seu amigo se necessário.

Quando Finn se pronuncia, qualquer tipo de som subitamente cessa e dá espaço a um silêncio quase que completo, quebrado apenas por insetos presentes naquele denso matagal e pela água corrente na qual Octávio está. Ainda assim, a luz continua se fazendo presente e apenas aumenta de intensidade conforme o pescador se aproxima.

Quanto mais perto está, mais elementos pode reconhecer. Já chegando próximo a origem da luminosidade, um pequeno trecho aonde os arbustos foram retirados se revela a seu lado, como um caminho para sair dali. Além disso, a cachoeira e o entorno da caverna também são visíveis.

Por trás da máscara, Finn sorriu. O assassino era mais espalhafatoso do que esperava, mas ainda assim seria interessante. Tudo aquilo indicava que Finn poderia caçar, mas era exatamente isso que tornava tudo mais envolvente, ele atraíria a sua caça por ele pensar estar sendo caçado.

— Ué, deixaram uma fogueira aqui — atuou ele, como sempre — Bom, vou aproveitar — disse, pegando um pedaço maior de lenha e quebrando-o no meio, nivelamente, para poder por o peixe por cima. O barulho também fazia parte do plano, servia para o possível assassino ver que poderia haver um potencial de agressão e isso lhe faria ou mais cauteloso, ou mais agressivo (i.e. mais interessante).

Em pouco tempo, botou o peixe em cima da madeira, usando-a como tábua e começou a abrir o peixe, tirando os espinhos.

Tudo parece tranquilo por alguns instantes, sendo que a maior agitação do local é a brisa sutil que tremula o fogo da pequena fogueira encontrada por Finn. Esta está localizada bem em frente a caverna e ilumina alguns metros desta, mas nada além de pequenas rochas é visível.

Quando o pescador se pronuncia, porém, uma agitação pode ser ouvida de dentro da gruta. Sussurros incompreensíveis precedem um caminhar vagaroso e arrastado, que lentamente se aproxima de onde Finn está. Bastam alguns segundos para que a três silhuetas sejam visíveis; duas pequenas e uma maior.

— Na verdade a fogueira pertence a nós. Perdão, ouvimos você e ficamos com medo, por isso fugimos para a gruta. — Diz uma voz já gasta e fraca, pertencente ao mais alto dos três. Ele para de falar por um momento para liberar uma tosse carregada — Alarme falso, não?! Imagino que esteja perdido aqui.

Junto com ele estão duas crianças, ambas jovens e com semblantes confusos. Ainda que o mais velho pareça confiante na presença do estranho, elas se agarram a suas vestes com hesitação.

— Ella, Donny, não se acanhem. Cumprimentem adequadamente nosso visitante! — Ele exclama sem agressividade, apenas como um incentivo para os dois.

— Boa noite, senhor. — Dizem as crianças em uníssono, aproximando-se um pouco mais do idoso.

O velho parece beirar os setenta anos, mas está com as mesmas roupas da fotografia que Finn recebeu. Além disso, as duas crianças parecem confiar nele.

Imagens:

Ele sorria por trás da máscara, vendo o acontecido. Era realmente intrigante esta missão, seria o contratante um sádico, ou apenas está tentando arrumar desculpas pra sua moral não cair? Ou até que o possível assassino seja realmente um, mas desistiu no meio por amor à sua família que criara em seguida? Estas questões que vagavam em minha mente me deixaram um pouco boquiaberto, em silêncio.

Percebendo que manteve o silêncio por alguns desnecessários segundos, Finn atuou como se tivesse levado um susto também.

— Ah! Nossa, ai, vocês me assustaram saindo do nada da caverna, haha! Fiquei até em choque! — dizia animado, brincalhão — Ah, desculpe, é que eu vi a luz lá de fora e fiquei receoso de chegar assim sem avisar, acho que seria ainda pior, haha! Bom, então... Vocês me deixam passar a noite aqui com vocês? Tenho peixe! — tentava barganhar sua presença para continuar ali e obter respostas (não que elas importassem, era mais por curiosidade e auto-satisfação).

— Ah, é que eu vim pescar, me disseram que há bons e grandes peixes por aqui, estes são mais divertido de fisgar, sabe?! Haha! Só que... — dizia, coçando sua nuca, fingindo estar envergonhado — Acabei me perdendo um pouco daonde disseram que era um bom local e anoiteceu... Sorte que encontrei vocês, legal, não?!

Seu plano agora era descobrir sobre a vida de todos ali, nem que superficialmente, para poder se divertir mentalmente com eles em seguida.

O velho sorri em satisfação, ao mesmo passo que as duas crianças perdem um pouco do medo ao ouvir a boa atuação de Finn. Em um instante já estão menos acuadas, mas ainda têm um pé atrás com o visitante. Dá pra imaginar o quão estranho é para alguém que mora num local como aquele receber algum estrangeiro.

— Gentileza não é gentileza se precisar de recompensa, pescador! Não se preocupe, temos mais espaço do que ocupamos. — Ele responde erguendo sua mão trêmula até o ombro de Finn e o chacoalhando um pouco. — Vamos, você deve estar com frio. Podemos montar uma lareira lá dentro da gruta.

O velho apanha um pequeno lampião que está posicionado ao lado da lareira juntamente com um pequeno brinquedo que entrega a criança. Decidido a deixar a lareira acesa para afastar animais selvagens, ele prossegue para dentro da gruta agora iluminada pela luz de sua luminária.

— S-Senhor pescador... qual o seu nome? — Diz a pequena garota de bochechas grandes enquanto observa sua figura curiosa, ainda segurando no tecido da roupa do idoso para se orientar na caverna. — Eu sou a Ella e esse aqui é o Donny. Ele é mais velho que eu e por isso fica me enchendo o saco, mas se irrita quando percebe que eu sou mais inteligente.

— Ah, claro, claro, boa ideia! — disse, um pouco confuso, mas intrigado com a ideia de afastar os animais selvagens (dos quais não vira nenhum até agora).

Obviamente teria que ficar atento, subestimar o pensamento de um ser vivo é superestimar sua existência. Afinal, é obvio que todo ser tem a capacidade de surpreender, visto que seu começo já é incerto e, mesmos os certos são duvidosos. Assim, como Finn e sua atual missão prova pela sua existência, mudanças ocorrem há todo momento e sussurros a incitam, mas apenas a natureza e o fluxo confuso da vida pode realizá-las. Isto é, de certa forma, humanos não possuem o poder sobre nada, tudo lhes é inserido inconscientemente e é por este argumento que Finn não duvida do velho ser um assassino e nunca deixará de duvidar até que se prove o contrário – e não através de relatos falados.
Por este motivo, esta missão se tornara extremamente mais intrigante para Finn do que imaginaria. Impulsionar e guerrear contra o fluxo é o que lhe mantém vivo. A curiosidade o mantém são, assim ele pensa. É como alimentar diferentes lagartas com diferentes tipos de plantas e esperar pelo casulo para ver se a natureza agir.

— Me chamo Finn! — falava ele, curvando um pouco de seu corpo, para atingir melhor a altura de seus pequenos companheiros, ainda atento com o velho. Com o comentário orgulhoso e pretensioso da garota, soltou uma risada honesta, por milagre.

— Muito bom, agora só tem que se manter mais inteligente, se não quem vai ficar irritada é você, e pior! Hahaha! — sua fala era um pouco mais adulta do que poderia ser, mas havia falado aquilo para medir todos que estavam ali, principalmente sobre como o responsável agiria. Responsabilidade é sempre um fato curioso para Finn, ele imagina que há tantas formas de agir sobre que se torna impossível decifrá-los e etiquetar, o suprassumo do fluxo e de sua inconsistencia.

Por fim, quando estava chegando no que poderia ser o local que haviam falado sobre, se virou para o garoto e sussurrou:

— Não se preocupe, Donny, há várias formas de se mostrar inteligente, eu confio em ti.

Instigada, a garota olha para Finn com uma expressão confusa. Não tem certeza se entendeu o que ele quis dizer com aquilo, mas dá de ombros. Como tudo para uma criança tão jovem, aquilo não passa de um devaneio rápido da qual ela não se lembrará em cinco minutos.

— Bom, ele não sabe a língua dos homenzinhos cinza e eu sei. Além disso, ele me disse esses dias que o vovô é um super herói mas eu já falei pra ele mil vezes que ele já é muito velhinho pra ser um super herói! — Exclama, provocando o garoto que acompanha o velho do outro lado.

— Fica quieta, Ella! Eu disse isso porquê ele resolve as coisas, mas já faz muito tempo! — Protesta com seu punho erguido, fazendo o grito ecoar na gruta.

Ao chegar no fundo da caverna, Finn pode ver um espaço aberto com algumas tochas na parede. No centro deste há a pele de algum animal selvagem estendida que parece bem tratada e bastante confortável, enquanto alguns sacos de dormir estão estendidos ao chão. Aparentemente, o único entretenimento dos três é um pequeno rádio que está desligado.

— Vocês dois são muito inteligentes e não precisam discutir. Eu vou ensinar a língua dos homenzinhos verdes para o Donny nessa semana, eu prometo! — Ele diz enquanto retira a mão das crianças de suas vestes e vira-se para o visitante. — Aqui é muito humilde, mas temos um saco de dormir para te emprestar. Espero que seja conforto o suficiente.

— Adorei eles! — exclamou Finn, vendo ambas crianças tão animadas — São bem animados e honestos, as melhores qualidades!

— Ah, não se preocupe com meu conforto, estou acostumado com as piores situações! — coçava sua nuca, tentando se explicar humildemente — E não posso deixar Octavio sem mim, vou apenas fazer um peixe frito pra todo mundo e irei dormir no rio, haha!

Depois de se explicar, sentou e recomeçou seu trabalho de tirar as espinhas, agora de mais 4 peixes. Antes de tirá-los, recolheu sua vara para dentro de sua canhota.

— Vou fazer um extra pra caso alguém esteja com muita fome — ele dizia enquanto retirava os peixes de uma sacola de sua mochila que fedia intensamente.

Então, ele olhou para as duas crianças, honestamente intrigado.

— Me expliquem essa briga de vocês aí, quero entender melhor, fiquei interessado, vamos me digam, por favor — falava ele, animado e infantil. Em seguida, suspirou e se recuperou — Porque o vovô é um herói e porque ele não é? — ele, a todo momento, olhava para seus peixes e para as crianças, inquieto.

As duas crianças parecem animadas com a ideia, e se entreolham com água na boca quando pensam na refeição prometida. O velho, por sua vez, arruma alguns objetos posicionados acima de pedras que parecem servir como prateleiras improvisadas na caverna úmida.

— Isso é muito bondoso da sua parte, Finn. Mas se quiser pode convidar esse Octávio para passar a noite aqui também. Eu queria poder retribuir o seu favor! — Ele finaliza, ao mesmo passo que caminha para o centro da gruta e senta-se sobre a pele confortável.

Nos momentos de silêncio antes das crianças agitadas começarem a falar, é possível ouvir o som da água corrente que termina em uma cachoeira forte do lado de fora. Já deve ser tarde da noite a esse ponto.

— Hm? Ah, eu já expliquei, faz muito tempo e eu tinha a idade da Ella na época. Eu sei lá, o vovô sempre resolveu as coisas pra gente e ele me deixa ler muitas histórias de super heróis, então eu pensei que ele fosse um. Mas a Ella exibida conta isso como vantagem. —  Ele termina, um pouco mais maduro que a garota.

— Mas é óbvio que ele não é super herói, Donny! Os super heróis são fortes e novos e o vovô já é velhinho. Talvez ele tenha sido um super herói antigamente, quem sabe, mas hoje não.

O idoso parece desmanchar seu sorriso com a última frase da garotinha, mas tenta não deixar transparecer.

— Ah, haha — começava, coçando a nuca sem jeito — Octavio não cabe nessa pequena caverna, haha. Mas não se preocupe, estou apenas retribuindo o favor da fogueira, não há mais nada que devemos ao outro, está tudo bem! — dizia, já indo para o segundo peixe, deixando o outro aberto sem nenhuma espinha.

— Mas, oras! — disse Finn, largando um pouco os peixes e pondo ambas as mãos na cintura, forçando extravagância para cima de Ella — Que preconceito com pessoas de idade! Agora senhorinhos não podem ser heróis? Eles são os que mais são heróis! — e então, com uma risada, voltava a retirar as espinhas do segundo peixe.

— Concorda comigo, senhor? — ele intercalava os olhares agora entre o peixe e o possível assassino.

— Uh? O Octavio é um daqueles grandalhões feios e rudes que não gostam de gente? — Diz Ella enquanto lembra-se da figura de um Haytok. — Credo, pra não caber aqui só pode ser! Eu tenho medo daqueles. Quer dizer... eu nunca vi um, mas pelo que o vovô diz eles devem ser horríveis.

O idoso apanha ao seu lado um pequeno vaso feito de barro que contém algumas sementes e outro com frutas secas, pretendendo utilizar como acompanhamento para a refeição que seu hóspede prepara. As crianças já estão enjoadas de muitas daquelas opções, mas é o máximo que um velho naquela idade consegue apanhar.

— Sim, o Finn está certo. Dizem que quando você é idoso quer dizer que está no fim da vida, que deve se conformar com o inevitável. — Sua voz falha por um instante, denunciando um soluço. É visível que o assunto é delicado para o velho, mas ele não deixa-se abalar uma vez que está tentando passar uma mensagem para os pequenos. — É mentira. Ao invés de aceitar seus erros e fechar as portas que você abriu quando jovem, ainda dá tempo de abrir novas! Ainda dá tempo de viver uma nova vida, e sempre vai dar.

Quando finaliza, o velho respira fundo e fecha seus olhos por um instante, recostando-se na parede ao seu lado. Tenta a todo momento ocultar seus sentimentos dos dois jovens.

— Ah, não, não, Octavio é um polvo gigante, haha! — disse ele, um pouco naturalmente.

Em seguida, ele estranhou o papo do velho. Ninguém havia flado sobre terminar a vida ou abrir novas portas, estavamos falando em heróis. Com isso, Finn acreditou que ele acabou sendo atingido por algo que não esperava e que sua cabeça resgatou pensamentos já realizados. Então ele realmente tinha a chance de ser um assassino, agora só faltava confirmar o porque e o motivo de ter mudado.

— É... Realmente, algumas portas nunca serão fechadas... — falava Finn, tentando enganar o velho, tentando impor empatia numa frase que pudesse enganá-lo.

— MAS! — dizia, num tom alto, enquanto pegava o terceiro peixe, agora faltando somente um — heróis são sempre heróis, se nada o mudou! Então, Donny, se o vovô continua sendo bom, continue achando que ele é um super herói, oras! Você devia acreditar nisto também, Ella — terminou olhando para a pequena.

A partir desse ponto, o velho fica calado com suas próprias reflexões. Em seus olhos marcados por rugas, é possível ver que ele se prende a devaneios que estão perdidos em meio a toda a sabedoria que deve carregar. Em sua mão, os dois vasos com alimentos vibram devido a tremedeira já observada antes que ele tem na mão. Coisa que já pode ser facilmente tratada.

— Ei, senhor. — Se pronuncia Donny, tentando ser educado. — Você sabe quando o peixe vai ficar pronto? O cheiro tá bom e a gente tá morrendo de fome!

É visível por seu tato durante a conversa que ele tem alguns anos a mais do que Ella, uma vez que crianças jovens como ela não costumam a atentar-se muito a maneira com que falam. De qualquer maneira, ele recebeu uma boa educação.

— Se está com pressa, terei pressa! Estava aproveitando para conversar, haha, desculpe! — dizia, terminando em poucos segundos o último peixe. Então, retira de sua mochila, quatro ferros entrelaçados com a forma de um peixe, parece que eram feitos pra fritar peixes pequenos, pois logo que Finn os pegou, encaixou-os dentro de cada molde. Assim, ele pegou pelo palito de ferro oxidado, que servia para não ficar mais tão quente e entregou para cada um.

— Agora, todo mundo vai ter sua parte. Vamos fritar o peixe e cuidar deles juntos, tudo bem? — dizia, enquanto prestava atenção no Parkinson do velho, uma doença velha que, assim como quase todas as outras humanas, fora descoberta a cura.

— Deixem o peixe perto do fogo, mas não encostando, se não vai ficar queimado. Sempre que acharem que passou tempo demais, virem o peixe e olhem para ver se pegou alguma cor. Deixem até ficar marronzinho — continuava ele, focando seu ensinamento para as crianças, obviamente, mas não excluindo o avô delas por cortesia e para elas se sentirem mais a vontade.

Enquanto deixava o seu peixe para queimar, percebeu que o Parkinson do velho poderia não ser natural e sim de uma de suas obras. Sendo assim, usa como um lembrete, martirizando-se, em forma de protesto contra o seu passado, ou talvez em forma de redenção ao deus. Por estes pensamentos, Finn esboçou um sorriso por trás da máscara e logo perguntou:

— Senhor, me desculpe perguntar, posso estar parecendo muito intrometido — dizia enquanto todos já queimavam seus próprios peixes — Mas... Por que vocês vivem nesta caverna?

As crianças parecem extremamente animadas quando Finn finalmente apanha o alimento, e ainda mais quando ele inclui um aprendizado nisso. É possível ver seus olhos brilhando e a língua passando pelos lábios enquanto o pescador explica o processo, mais em Ella do que em Donny que está em uma idade na qual constantemente tenta fingir que não é mais criança.

Claro que eles levam aquilo como competição. Um tenta fritar o peixe mais rápido que o outro e tentam se sabotar buscando estratégias para distrair ou atrapalhar o "adversário". Os dois parecem muito ligados, e também grandes rivais.

O velho, estranhamente, ergue a palma de sua mão aberta diante da oferta de Finn.

— Oh! Muito obrigado, amigo... mas eu não como carne. — Ele diz com um sorriso singelo que é quase apagado por sua barba espessa.

No mesmo momento, abre os vasos em sua mão e apanha algumas frutas secas. No momento que Finn o questiona, porém, o sorriso desaparece novamente.

— Essa é uma pergunta bastante compreensível. Estamos aqui porque... bom... — Ele dá uma pausa e olha para as duas crianças. Elas não parecem se importar com a conversa, tampouco com o fato de morarem na caverna. — O lugar de onde você vem... tem muita maldade lá. Ashinara é um lugar puro, tranquilo e pacífico. Aqui ninguém vai me incomodar ou procurar por mim.

Ele assentiu quando o velho rejeitou o peixe, com um sorriso por trás da máscara. Muitas condições para achar que ainda vale estar vivo depois de tudo, pensou Finn sobre o homem. Em seguida, sentou em seu antigo lugar e fritou os dois peixes para si, como normalmente fazia (dois peixes para cada refeição).

— Mas... Por que incomodariam vocês? Nunca tive problema na Terra, morava no interior e éramos amigos de todos — mentia, naturalmente, forçando uma historia de "minha vida está longe de ser como a sua".

Para que as crianças prestassem o mínimo de atenção, começou a brincar com elas, atrapalhando ambos de queimar o peixe; assim, quando o velho respondesse e Finn parasse de brincar com elas, eles, provavelmente, também parariam e teriam mais chances de ficar intrigados.

O velho olhou fixamente na região demarcada dos olhos da máscara de Finn com um semblante angustiado e permaneceu em silêncio por alguns instantes. Apesar de vaga, sua resposta carrega um tom totalmente sincero que parece vir da alma do senhor.

— Eu... não sei. E isso é tudo que consigo te responder sobre isso.

As crianças parecem  dar de ombros para a resposta estranha do "vovô". É como se estivessem habituadas com aquilo, ou como se ele já tivesse dado tal resposta para muitas das perguntas sobre seu passado. Para elas, aquele tom de mistério já é normal.

Finn olhava para todos em ordem de idade, confuso por ninguém dizer muito sobre o passado. Nada de estranho pra quem mora numa caverna, obviamente, e isso seria percebido por qualquer um se não fosse por Finn estar forçando toda a situação.

Ele ficou quieto o resto da comilança, sem nem mesmo brincar com as crianças. Isso para gerar uma semente de dúvida nelas, para que elas vissem como era desconfortante e incomum ninguém dizer nada sobre o que viveu (e quando se referia a nada, era nada mesmo). Também para manter o velho mais desconfortável ainda, numa estratégia sádica de deixá-lo inquieto.

As crianças parecem demasiadamente entretidas com sua competição e com o alimento, e já estão bastante acostumadas com esse tipo de comportamento do idoso. Talvez devido a sua juventude elas se satisfaçam com aquela resposta, que já ouviram inúmeras vezes, e mais tarde passem a questionar mais sobre aquele tipo de coisa.

O velho, porém, fica de fato inquieto. Por um momento ele reflete sobre toda a sua interação com Finn até então, e seus olhos parecem evitá-lo por um instante. Eles vasculham toda a gruta e param nas crianças, que riem e se alimentam felizes. É nesse momento que ele toma uma decisão.

Aproveitando-se da distração dos dois, ele se levanta. Com um caminhas vagaroso que não é decorrente de sua falta de pressa e sim de sua idade, ele aproxima-se do estrangeiro e senta-se, com certa dificuldade, ao lado deste.

— Você está atrás de mim? — Ele pergunta baixo, olhando-o nos olhos. Sua voz não denota preocupação ou medo, apenas tranquilidade. — Nesses seis anos morando aqui, ninguém nunca nos visitou, ao menos não um estrangeiro. Eu sempre achei que, quando acontecesse, seria para vir atrás de mim.

Nestes poucos momentos em que ele se aproximava, depois de tanta provocação, Finn havia pensado na possibilidade dele ter notado seu objetivo, o que fora comprovado com sua pergunta. Antes disso, ficou pensando se mantinha seu disfarce ou se acabava com tudo ali. Ambas linhas se tornaram interessantes em seu roteiro. Isto lhe manteve um pouco em choque, o que com quase toda certeza estragaria seu disfarce, já que os poucos segundos de incerteza serviam de muita resposta para milhares de perguntas.

Desta forma, decidiu fingir que nada sabia, pois isto lhe traria algo que ele não pensou e roteirizou (uma linha que gerou através de sua indecisão).

— Hm? Porque estaria? — ele então, tinha uma ótima ideia e se levantava, rapidamente — Você é um peixe disfarçado?! — ele dizia, brincalhão, com a boca cheia e apontando o seu molde de peixe (preenchido pela metade) para o velho — Se for, fale logo!