Bom dia, #7104.

Estava ajudando a retirar as malas do carro, acabando de colocar a mochila no chão da sala quando recebi a notificação. Abri o aviso e encarei a imagem que minha manopla reproduzia com uma expressão confusa, mas atenta. Quando Mora começou a agir, tentei abrir um canal de comunicação pra falar com ela.

¬ O que está fazendo?! Para! Para ele vai te matar!

Busquei em minha manopla um jeito de interromper remotamente, eu nem sabia o que estava fazendo, nem o que o que podia fazer e aquilo começou a gerar um desespero tão genuíno que minhas mãos tremiam.

¬ MORA! SE FIZER ISSO ELES VÃO TE ACH...

Meu corpo estremeceu e cambaleou quando a imagem de uma espada a atravessando apareceu no visor. Eu senti como se o golpe me atravessasse. E então nada. Apenas uma imagem com chiados e depois o fim da transmissão. Eu não me lembro muito bem do que aconteceu depois, quando me deu conta estava curvada sob minha manopla, paralisada enquanto tentava fazer alguma coisa.

Um soluço foi o suficiente para desencadear uma crise de choro, meus joelhos cederam e me deixei ficar no chão enquanto chorava copiosamente. "É culpa minha. Eu não fui rápida o suficiente. Eu devia ter ficado pra ajudar. Ela morreu e é minha culpa."

Nem mesmo percebi que falava essas coisas repetidamente. Eu nem mesmo passei tanto tempo com Mora, mas em apenas um dia foi ela quem me deu uma nova vida. Chorei pela mãe que nunca tive, e que naquele momento perdi para sempre.

Miyano estava calado durante o percurso. Não tinha o que falar, e também não queria. A companhia de Burnes não o animava a abrir a boca, e, de qualquer forma, ele não era do tipo que falava mais que o necessário.

Estava nos bancos de trás e tentava retirar Rex sem que ele rasgasse o banco. A criatura parecia querer ficar lá dentro, já que deveria ser confortável ou o grifo estava preguiçoso demais, provavelmente cansado.

Enquanto a criança tentava convencer o animal a sair do carro, Celes acompanhava a transmissão. Miyano apenas teve o interesse de se virar quando viu que algo estava errado ao ouvir os soluços, encontrando a mulher de joelhos, inconsolável.

Nesse exato momento, apenas desistiu de Rex e foi até Celes, tocando levemente seus ombros para ver o que estava acontecendo. A manopla ainda estava ativa, mas a transmissão já havia acabado, então Miyano julgou ser algo relacionado ao que Celes havia acabado de presenciar.

A primeira reação do garoto foi fazer a exata mesma coisa que Akemi fazia quando a criança tinha seus surtos de ansiedade.

- Calma, calma... - Afastou da manopla o olhar de Celes, segurando o rosto da mulher com suas duas mãozinhas e fazendo com que ela olhasse para o rosto da criança. Conforme os sussurros se intensificavam, Miya envolveu o rosto da mulher com seus braços, abraçando-a próxima ao peito. - Shh, vai ficar tudo bem, tente acompanhar minha respiração. Respire... Expire...

Burnes ve apenas o suficiente da imagem de relance para entender do que se tratava. Em uma situação normal, seu código diz para tentar extrair informações do local ou até desencriptar o aparelho de Celes, mas aquela será apenas mais uma das regras que quebrará.

Pesaroso, suspira enquanto recosta-se no carro elétrico e apoia as malas em seus pés. Sem tocar a garota por não se sentir próximo o suficiente para tal, ele apenas olha para sua figura arrasada.

— Eu conheço essa sua dor. Não só daquela vez na nave-mãe, mas de outras experiências. Eu sei como é perder alguém. — Ele começa, sem saber muito bem o que falar. Mesmo já tendo contado a muitas famílias que seus entes faleceram, você nunca se acostuma. — Mas têm uma coisa que posso tentar te passar: a coragem de seguir em frente por aqueles que se vão. Eu ainda estou tentando, mas têm pessoas contanto comigo. Tenho certeza que também tem outras contanto com você, e uma delas é esse garotinho bacana aqui.

Esfreguei meu rosto no peito de Miyano enquanto sentia as lagrimas quentes marcarem meu rosto cada vez mais. Não pude saber como seria se eu apenas tivesse a noticia de sua morte, mas ver com meus próprios olhos foi algo para qual eu não estava preparada. Não me importei de continuar chorando mesmo na frente dos dois, eu já tinha dado sinal de fraqueza no momento em que tentei contata-la.

As palavras de Burnes não tiveram um efeito imediato, mas aos poucos foram se enraizando em mim. Quando soltei Miyano, tive ciência de que meu rosto estava provavelmente vermelho e inchado, mas eu não me preocupei com isso. Me levantei com certa dificuldade, mantendo a cabeça baixa.

¬ Mora era uma das pessoas influentes na reconquista. Mesmo assim ela me acolheu e me ajudou, mesmo com a Datsu matando sua família.

Minha voz estava mais embargada de emoção do que esperava, mas não parei de falar.

¬ Assim como ela, existem muitas pessoas boas na reconquista que só querem paz para viver com suas famílias. E na aliança também.

Olhei para Burnes, me lembrando de sua aliança que não estava mais na mão e da foto da garotinha em seu carro.

¬ Eles provarão do amargo veneno que usam pra contaminar nossas vidas. A.G.N.A.K se tornará a chama que purificará ambos os lados, sem discriminação, sem crueldade. Vamos derruba-los e faze-los perder em seu próprio jogo.

Fiz o máximo que pude pra não deixar minha escuridão interna tomar a frente. A vontade de decapitar Bastião ainda estava lá, mas de alguma forma eu a domava. Não cairia em desgraça como eles, eu não podia.

¬ Burnes, preciso que compre umas coisas para mim, tudo bem por você? Como eu disse antes, continuo contando com seu apoio.

Miya ficou em silêncio, não sabia como reagir, e também preferia não reagir às palavras de Burnes, que pareciam ter mais sido dolorosas para Miyano do que confortantes para Melroa. Apenas ficou em silêncio, envolvendo a mulher em seus braços até que ela se acalmasse.

Lembrou-se de Akemi. Não sabia como reagir ao ver alguém chorando, por isso simplesmente agiu como a mãe costumava agir, e a única coisa que sabia era que isso sempre o acalmava. Seus pais deveriam ter uma boa razão para usá-lo no experimento, sim, essa era a única explicação possível.

Ainda não tinha notícias de como estava Maya, por isso achava que estava bem - na medida do possível, visto a dominação de Datsu.

Também havia encontrado novas pistas sobre os pais, então mal podia esperar para reencontrá-los e reunir a família toda: Maya, Miya, Connor, Akemi, Heylel e Melroa. Ellora também, queria apresentar a mulher gentil aos pais, definitivamente gostariam dela.

Ficou em silêncio ouvindo as declarações de Melroa. Não conhecia Mora o suficiente, mas já podia imaginar como a mulher era pelo carinho que era atribuído ao seu nome. Apenas abaixou a cabeça, miseravelmente contemplando o luto.

Deveria ser realmente doloroso perder alguém, assim como era doloroso tirar uma vida. Ou seis. Encarou Burnes, cabisbaixo. Deveria contar que o responsável por abrir a garagem havia sido Miyano?

Não sabia se estava preparado para isso. Tinha dificuldades em admitir para si mesmo, quiçá para Burnes.

E, provavelmente, não era um bom momento para aquilo, visto o quão depressivo e deplorável o homem estava.

E tudo aquilo, provavelmente, era culpa de Miyano.

— ⊬⍜⎍ ⌇⊑⍜⎍⌰⎅'⋏⏁ ⎅⍜ ⏁⊑⏃⏁. ⊬⍜⎍ ⏃⍀⟒ ⋏⍜⏁ ⍀⟒⏃⎅⊬ ⏁⍜ ⌇⟒⟒ ⍙⊑⏃⏁ ⏃☌⋏⏃☍ ⍀⟒⏃⌰⌰⊬ ⟟⌇. — Responde Burnes, num tom sério. — ⌇⍜⋔⟒⏁⊑⟟⋏☌⌇ ⌇⊑⍜⎍⌰⎅ ⟊⎍⌇⏁ ⏚⟒ ⌰⟒⎎⏁ ⏁⊑⟒⍀⟒ ⊑⍜⍙ ⏁⊑⟒⊬ ⏃⍀⟒. ⟟⎎ ⊬⍜⎍ ☌⟒⏁ ⊬⍜⎍⍀⌇⟒⌰⎎ ⍜⋏ ⏁⊑⏃⏁, ⏁⊑⟒⍀⟒ ⍙⟟⌰⌰ ⊑⏃⎐⟒ ⋏⍜ ⍙⏃⊬ ⏚⏃☊☍.

Sim, os fonemas são estranhos e incompreensíveis. De alguma maneira, Celes simplesmente foi incapaz de compreender o que ele acabara de dizer.

— Mas eu nunca duvidei do que disse. Acho que a Reconquista têm um motivo nobre, mas um objetivo absurdo. Conheci muitos que foram corrompidos por seus ideais, e já tive que prender gente boa. O problema é que isso virou assunto das Sombras, e não dá para saber o que vai acontecer com seus amigos agora.

A casa de Burnes é um pequeno apartamento mal-mobilhado. A julgar pelas caixas no chão e pela ausência de piso ou papeis de parede, ele mudou-se para lá recentemente - provavelmente depois da separação com sua esposa.

— Ahm... talvez eu tenha aqui. Do que precisa?

Puxei Miyano para perto, pousando a mão em sua cabeça num pequeno gesto de carinho. Franzi a testa quando ouvi os sonso confusos saindo de sua boca.

¬ Se me xingou vai levar um soco.

Suspirei ao ver como seria o apartamento em que ficaríamos.

¬ Aliança não paga bem, paga? Preciso de uma armadura, um suit, um capacete e uma manopla. Miyano pode dormir comigo na sala desde que me prometa não beber mais. Se não tiver tanto dinheiro me envie uma mensagem, eu transfiro pra sua conta.

Virei o boné que coloquei na cabeça de Miyano com a aba para trás. Meu rosto provavelmente ainda estava péssimo, mas eu não podia viver o luto naquele momento.

¬ Preciso que me ajude a criar a defesa dessa casa. Transferi o núcleo da ENE para a minha manopla, podemos nos revesar enquanto não temos mais materiais.

Assim que terminei de falar, recebi uma notificação de ENE sobre um comando que dei mai cedo.

¬ Mãos a obra, temos um universo pra por ordem.

— Ah, não, não se preocupem com isso. — Ele responde prontamente enquanto discretamente deixa o resto do que estava bebendo em um armário. — Eu durmo no meu carro. Jamais deixaria uma dama e um jovenzinho na sala assim. Você precisa de conforto e ele precisa de uma boa cama pra ficar forte e se tornar um grande homem!

Burnes mostra-se um cara bastante "a moda antiga", não só pelo comportamento mas por sua casa. Ao longo desta, diversos CD's e livros, coisas que já não são mais sequer produzidas. A maior parte dos que estão fora das caixas falam sobre amor e saudades.

— D-Defesas da casa? Ahm... garota, eu estou te dando abrigo e não um forte. Não posso colaborar com nenhuma maluquice, entende?

Ergui as sobrancelhas enquanto o escutava, balançando negativamente no final.

¬ Nem pensar, vai ser suspeito. Precisamos agir como se a Aliança estivesse no nosso encalce. Porque ela está. Nós já dormimos em lugares piores.

Coloquei a mochila no ombro, guiando Miyano para o canto da sala, mas longe da janela.

¬ Eu sei que não pode, e embora isso me deixe um pouco decepcionada, não estou te colocando dentro das minhas maluquices. Estou fazendo isso para evitar que me rastreem até sua casa. Você claramente não está em condições de mentir. Ahn, você tem cobertores que possamos usar?

Eu já tinha retirado minha manopla e entregado para Miyano. Também retirei meu casaco e coloquei em suas costas para que pudesse encostar na parede.

¬ Eu não implorei por sua vida pra depois cobrar o favor te fazendo pular nessa loucura. Eu só preciso de um tempo pra achar um lugar seguro.

Encarava Miyano enquanto falava, tentando empurrar o medo de vê-lo ferido que se esgueirava dentro de mim para fora.

Burnes parece pensativo por um tempo após a última frase de Celes. Discretamente ele puxa uma aliança do bolso de seu casaco e observa as palavras gravadas nessa, remetendo sua memória aos tempos mais felizes de sua vida.

Quase que num sussurro para não chamar a atenção de Miyano, ele chama a garota. Precisava conversar ao menos que por um segundo sobre isso.

— Sabe, menina... você não acha que poupou minha vida pelo próprio desencargo de consciência? Eu não estou muito mais vivo do que aqueles cujos corpos hoje vagam no espaço, entende? Não pensei que aos cinquenta e dois anos estaria questionando o sentido da vida como um adolescente.

Segui até Burnes ao ver que fui chamada, cruzando os braços assim que cheguei. Franzi a testa ao ouvir suas palavras que pareciam entaladas desde que o vi.

¬ Não tenho consciência, Burnes. Não do do jeito que pensa. Se você não está se sentindo vivo é porque matou a si mesmo. Não coloque o peso dessa morte em mim, já carrego muitos. Eu inclusive mataria pra ter sua vida. Não o culpo por cair em desgraça pelo que aconteceu, eu também cai. Mas a diferença é que eu não tinha a opção de me isolar. Era levantar ou morrer.

Troquei o peso da perna, jogando o quadril para o lado.

¬ Nunca vou poder ter o que você tem, ou até mesmo o que julga ter perdido. Nem eu e talvez nem essa criança. Sei que já viu muita coisa pesada, mas no fim você retornou para sua casa sem se preocupar se ela será invadida no meio da noite. Ou de ter que ver sua neta ser abusada sexualmente na sua frente. Você viu o inferno, Burnes. Eu o vivi.

O comandante aposentado mantém-se pensativo por um tempo. Seu interesse por aquela moça aflora diante de seus relatos, mas sem um registro oficial ou nome completo ele jamais poderia ter acesso a seu histórico.

— Desde que me aposentei, achei que ia ficar sentado em algum lugar esperando a morte de um jeito pacífico. Ao que tudo indica, você quer me meter numa última empreitada. — Ele diz enquanto desliza os dedos pela aliança guardada. — Tem chance de eu me arrepender dela?

É visível que os olhos dele já não têm muito brilho. Sente-se velho demais para lutar, e abatido demais para superar a vida dos companheiros mortos. No fundo, arrepende-se por ter contrariado sua aposentadoria e partido naquela missão. Culpa-se da morte do esquadrão e gostaria de ter morrido no lugar daqueles jovens cujas famílias até hoje sentem-se desamparadas.

Torci o nariz para evitar de demonstrar o desconforto que senti naquele momento. Uma pessoa experiente como Burnes seria mais do que bem vinda. Pude sentir que com ele talvez pudessemos evitar perigos e atrasos. Mas a imagem de Mora sendo atravessada me puxou para a realidade com um calafrio na espinha. Usei meu melhor sorriso arrogante e coloquei uma mecha de cabelo pra trás.

¬ Há! Quem iria querer arrastar um velho cafona e complexado?! Você iria me atrasar isso sim. Só preciso que me dê tempo para me estabelecer e poder dar conta dos meus planos. Além disso você que precisa da minha ajuda! Se quer saber, vai ajudar mais de voltar pra sua casa. Leve um buquê de rosas e para com essa neura. Sua geração já fez bastante, obrigada. Agora é comigo!

Trarei de falar rápido e alto para que minha voz não oscilasse. Ao terminar peguei minha mochila e sentei no chão, procurando pelo pacote de café. Naquele pequeno espaço de tempo eu me sentia vulnerável demais, minhas feridas estavam todas abertas e eu só tinha a mim mesma para fecha-las.

Ficou em silêncio, deixando com que Melroa se afastassem para que ela e Burnes tivessem uma conversa que não envolvesse Miyano. Não é como se não quisesse saber, na verdade queria, mas, ao mesmo tempo, também não queria. Se era algo que seriam cuidadosos o suficiente para não discutir perto dele, então provavelmente era algo que Miyano teria problemas de... lidar com.

"Assunto de gente grande", como costumava dizer Connor. Se bem que, dada a genética da criança, ele provavelmente nunca seria alto.

Já com a manopla de Melroa, decidiu adiantar o processo para devolvê-la o quanto antes, levantando todas as seguranças tecnológicas ao seu alcance para tornar seu sinal irrastreável, e, se possível, apagar qualquer rastro anterior.

Burnes entende o tom brincalhão e afasta o assunto da conversa, mas não de seus pensamentos. Qual seria o real motivo de ser deixado de fora daquilo ainda que tivesse demonstrado já não ter o ânimo de viver? Em um instante ele cogitou o quão perigoso é o que Celes está fazendo, mas desistiu de pensar sobre diante do apoio quanto ao seu casamento.

— Bom, você continue fingindo que não tá fazendo nada arriscado e eu continuo fingindo que não vou pegar aquela garraga de Whisky durante a noite. De qualquer jeito, do que precisa mesmo?

Está a ponto de cair a noite em Gradopolis. A televisão ligada na sala desarrumada de Burnes exibe uma reportagens sobre os rumores das Sombras estarem envolvidas em uma investigação nas bases da Reconquista.

¬ Suit, armadura, capacete, manopla. Se precisar eu ajudo com os custos.

Ao achar o pacote com o pó de café, me levantei do chão.

¬ Nunca tentei esconder o quão perigoso é o que vou fazer. Achei que montar uma rede de segurança na sua casa fosse obvio o bastante. E sem bebidas, sério, isso aqui não é a disney. Onde fica a cozinha? Vou preparar algo para Miyano comer.

Já andava pelo apartamento procurando o local.

— Se algum soldado bater na minha porta atrás de você eu faço o que? Sabe, eu nunca colaborei com alguém que não devia. — Ele entorta os lábios, sentindo-se um adolescente naquela situação maluca. — E, bem... eu não tenho muito dinheiro comigo. E não sei a qualidade que você quer.

Ele apanha seu technophone e desliza por sua tela usando um indicador e afastando-a dos olhos, como um típico tiozão.

— A cozinha é logo atrás daquele balcão. A casa é pequena, estava vivendo sozinho nela. A cozinha é ao lado da sala, que é ao lado do quarto, que é ao lado do banheiro. Não têm mistério.

Como Melroa parecia animada em conhecer a casa e em convencer Burnes, a criança aproveitou a deixa para revisar e reforçar o sistema de segurança, erguendo uma codificação dupla para dificultar qualquer rastreamento do sinal.

- Ah, sem amendoim. - Falou ao ouvir a menção de Melroa em preparar algo para a criança comer. Mesmo que ela já soubesse da alergia da criança, achou melhor reforçar. Logo, declarou, mudando de tópico. - Eu acho que também posso ajudar com o custo...

Ainda não havia tocado no dinheiro que havia recebido dos pais como uma garantia futura, e Maya provavelmente não. Talvez aquela fosse a hora de usá-lo.

¬ Vamos sair daqui antes disso. Miyano vai apagar nossos rastros e bem... Não minta. Já exigi demais de você. Partiremos assim que acharmos um lugar seguro. Talvez eu volte pra nave se lá está mesmo abandonado.

Da cozinha, estiquei o pescoço pra tentar fazer minha voz ecoar ate Miyano.

¬ Nem pense, guarde suas economias podemos precisar!

Eu alternava entre fazer o café e sanduíches enquanto falava com Burnes.

¬ Vou te transferir 3000, se não for o suficiente me mande uma mensagem que tento conseguir mais. E tome cuidado.

Senti um calafrio na espinha, e por algum motivo a imagem de Heylel me veio a mente. Pousei a faca na pia da cozinha e fiquei alguns segundos em silêncio. Eu sentia que ia desmoronar a qualquer instante, nunca tinha me sentindo tão frágil emocionalmente. A morte de Mora ainda me assombrava. Recolhi a caneca e o prato com os sanduíches, segui até Miyano e sentei encolhida em seu lado.

¬ Transfira o dinheiro para Burnes, por favor.

Minha voz estava tão robótica quanto a da líder de Vumihe. Assum que senti a garganta fechar, tomei um gole do café.

— Bem, hora de ir às compras então. Conheço um pessoal da minha época de soldado então talvez consiga alguma coisa pra você. — Ele diz enquanto apanha uma vez mais o cartão magnético que dá acesso ao carro. — Ah, tem uma pilha de brinquedos no meu quarto que são da minha neta. Alguns são bem tecnológicos! Pode dá-los pro garoto brincar se quiser.

Ele então parte enquanto a noite ameaça chegar, deixando a dupla sozinha. A sua disposição há o computador pessoal do soldado aposentado e a televisão que exibe uma matéria que relata a progressão do rastreamento de bases rebeldes.

Por fim, Miyano usou a manopla de Melroa para transferir a quantia designada, entregando-a para a mulher ao seu lado depois de findado tudo o que fora instruído a fazer.

Na primeira mordida do sanduíche, sussurrou um "Está muito bom" para Celes, apoiando o rosto entre os joelhos enquanto encarava a mulher, um tanto sem jeito de como abordar o assunto:

- Mel, você acha que Maya... está bem?

Aquela pergunta poderia ter muitas maneiras de ser interpretada, visto que a criança não tinha nem noção de que a irmã não havia despertado desde então.

Acendi para Burnes, mesmo que meu impulso fosse dizer que não eram os crianças. Mas então a ideia de poder usar os brinquedos pra aproveitar alguma coisa abafou o comentário.

Encarei Miyano com atenção. Era normal ele estar preocupado com a irmã, eu também estava. Não queria contar o que Cody me dissera, mas também não queria manter segredos com o menino. Afinal eu sabia bem como uma mentira podia doer. Pousei a mão em sua cabeça, deixando os fios brancos preencher o espaço entre meus dedos.

¬ Maya ainda não acordou. Mas tenho certeza que Heylel deve estar fazendo de tudo para protegê-la. Por isso precisamos correr e saber mais sobre esse projeto A.G.N.A.K

Levantei do chão, deixando a caneca no chão ao meu lado. Fui até o quarto de Burnes, procurando a pilha de brinquedos. Fui pegando o que podia e levando até Miyano.

¬ Agora nós só seríamos peso morto, nem sabemos como acorda-lá. Mas acredito que só encontrar respostas sobre isso conseguiremos não só ajuda-lá, como a nós mesmos.

Ao terminar, sentei no mesmo lugar que antes, bebendo um grande gole de café como se aquilo fosse álcool. Respirei fundo e endireitei a postura.

¬ Veja se algo aí pode te ajudar. Vou tentar uma coisa.

Novamente, respirei fundo. Fiquei em silêncio com as mais pousadas no joelhos. No fundo eu me sentia uma idiota por tentar aquilo.

"Você está aí?"

Pensei, tentando visualizar a imagem do administrador. Embora só o céu estrelado me viesse a mente.

Miyano engoliu a saliva ao ouvir que a irmã ainda não havia acordado. Maya costumava dormir em excesso, mas... aquilo era tempo demais. Parecia que quanto mais perto estavam de descobrir a verdade, mais contratempos aconteciam.

Mas Melroa tinha razão, nada podiam fazer naquela situação, e tentar invadir aquele local não só colocaria Miya e Mel em perigo, como também poderia colocar Maya.

O Projeto A.G.N.A.K era sua melhor aposta, tanto para descobrir o que estava acontecendo com Maya, quanto para encontrar os pais.

Explorou o casa em busca de algo para se cobrir, um cobertor ou talvez um lençol.

Os brinquedos mais tecnológicos denunciam a origem mais elitista da neta de Burnes que, sem dúvidas, possui tudo do bom e do melhor. Apesar da simplicidade do avô, a garota parece ter alguma ascendência nobre.

Miyano pode encontrar um lençol branco como o que usava no quarto do soldado aposentado, juntamente com um tablet aberto em anotações acima de sua mesa. Nestas, ele documenta como em um diário a tentativa de um velho tentando superar a morte dos entes queridos já na última parte da vida. A última entrada, porém, descreve a sua espera por Melroa quando a contatou há poucas horas atrás.

Ele parece ligeiramente empolgado para fazer algo para alguém. Talvez encontrar sentido na vida defasada e fazer algo por uma pessoa que está tentando mudar algo. Miyano provavelmente significaria um motivo para ele continuar sua luta - a nova geração.