Bom dia, #7104.

Precisei piscar algumas vezes antes de focar o cenário que de estendia à minha frente. Era uma cena deplorável, o que me fez ficar confusa se a ânsia era por aquilo ou pela dor de cabeça. Franzi a testa, trampando os dois ouvidos enquanto abaixava a cabeça.

"O que está acontecendo? Ou melhor, o que aconteceu?"

Novamente não soube se era bile ou o pânico puro subindo por minha garganta.

"Miyano... Meu Deus, onde eles estão? E Heylel? O que fizeram comigo?! Ou melhor... O que eu fiz?"

Apesar de mantee um tom de voz altivo, a última parte saiu como um ganido baixo.

Aquilo era bizarro demais. Até para mim. Engoli em seco enquanto tentava me equilibrar nas duas pernas. Continuei olhando ao redor como se do nada fosse parecer uma pessoa que não estava ali a segundos atrás. Minha respiração deixava transparecer minha ansiedade. Aos poucos meus olhos se acostumaram com a pouca luz e não precisei me guiar ate o local pelo tato.

"Isso não explica nada. Seja mais claro."

Por mais que tentasse soar durona, pude sentir a garganta travada. Meu cérebro tinha travado assim que escutei 'três dias'. Minha vontade era de sair chutando e arrebentando tudo. Mas me pareceu sensato obedecer o que lhe era dito.

Nada fazia sentido. Mas não importava o quanto vasculhasse minha mente, simplesmente não me lembrava, não fazia ideia do que estava acontecendo. O medo se acumulava em meu peito, me obrigando a agarrar o terminal para me manter firme. Encarei os casulos. Pelo tamanho não podia ser coisa boa, então empurrei a curiosidade para longe. Eu precisava sair dali, não me meter em mais problemas. Digitei uma senha no painel de acesso, mas logo voltei a erguer o rosto.

"Quem é você? O que exatamente fizeram comigo? Se diz que vai me ajudar, então comece por isso. Preciso de informações concretas."

Bufei alto. Ele dizia tudo e nada só mesmo tempo. Se fazia aquilo de propósito para me irritar e confundir, estava conseguindo. Respirei fundo algumas vezes para me concentrar, digitei os números no painel como pedido. Quais? Eu nem soube, apenas digitei qualquer coisa já que ele claramente não me contaria.

"E quem disse que eu quero fazer parte disso? Já basta a reconquista e a aliança me caçando. Não quero fazer parte de mais nada. Só quero paz."

Um gosto amargo de instalou em minha boca ao me lembrar do que tinha acontecido na nave da reconquista. O corpo do jovem noivo, ou marido nunca saberei, estirado no chão frio de metal. Sem vida. Morto por Heylel. As lembranças puxam outras, até que me vejo presa numa teia de arrependimentos e solidão. Olhei ao redor uma última vez. Minha arrogância e prepotência tinham me levado até ali. Engoli em seco com dificuldade, tentando afastar a queimação na garganta junto com as lágrimas que poderiam despontar em meus olhos.

"O que faço agora?"

Depois que digita sua senha no terminal, uma animação rápida transforma o símbolo em uma pequena espada, e logo depois a tela se apaga.

Demoram alguns segundos até que algo aconteça, mas uma porta finalmente se abre logo atrás de Melroa. Uma porta bastante tecnológica que nem sequer parecia estar ali antes, e que revela uma simples contemplação do nada. Não há uma pessoa e sequer um cenário por trás dessa porta; somente uma intensa luz branca que ofusca toda a sala por um momento, ao mesmo passo que disturba todos os sentidos da piloto mais uma vez. Som, visão, cheiro; tudo se torna uma coisa só.

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Parece que Melroa apaga por somente alguns segundos, mas ela subitamente está pilotando uma nave em meio ao vazio do universo. É como se tivesse acabado de acordar de um sonho lúcido, mas ela não sente como se tivesse dormido.

A nave é um modelo de carga, o mesmo que estava estacionado ao lado de sua própria quando estava na nave-mãe da reconquista. Não há mais ninguém sequer a própria piloto, mas ela tem total controle de seus movimentos agora. Algo pode parecer diferente, mas é impossível determinar com exatidão o que é.

Minhas mãos apertaram os controles de direção da nave com força. Pisquei algumas vezes e respirei fundo para afastar aquela sensação estranha. Ao invés de surtar de vez, foquei minha atenção nos controles da nave.

Não era uma nave super atualizada, na verdade eu estaria em desvantagem se fosse pega. Mas pega por quem? A aliança poderia muito bem estar na minha cola naquele momento. A reconquista também deveria querer minha cabeça.

- Mas por quê? Eu não fiz nada de errado... que eu saiba.

Confirmei se os cintos estavam apertados e apenas segui em frente, sem saber para onde ir. Minhas únicas opções pareciam igualmente destrutivas.

- Ei, coisa estranha. Você está aí, não está? Vamo bora ser útil? Pode me atualizar dos dias que vocês me roubaram?

Mexendo nos controles, procurei algum GPS ou localizador que pudesse me informar onde eu estava. Logo em seguida, sabendo que me arrependeria, tentei entrar em contato com alguém da reconquista.

A nave continua em seu trajeto, seja ele qual for. Desta vez, a voz em sua cabeça permanece quieta, como já ocorre há algum tempo. Ela simplesmente não ouve nada, desta vez, e o denso silêncio dentro da nave apenas é quebrado por suas indagações em voz alta.

A tentativa de acesso ao GPS faz com que o painel de HUD demore algum tempo para responder, mas após todas as informações serem carregadas, um pequeno mapa do universo em 3D é exibido. A localização da nave é indicada por um ponto vermelho, e aparentemente, ela está próxima aos planetas de Khast.

Enquanto isso, seu chamado à Reconquista é atendido após alguns minutos de espera. Uma voz masculina um tanto aguda e com um forte sotaque Iomarshiano a atende de forma preguiçosa.

- Ah, drrroga, de novo não. - Ele reclama baixinho para si mesmo, voltando à um tom normal em seguida. - O que gostarrria? - E boceja, entediado com o próprio trabalho.

- Ah tá bom, agora você me ignora né?

Afundei o corpo na poltrona, mesmo sentindo protuberâncias que me incomodavam. Respirei fundo uma vez mais e me concentrei no mapa que se abria. Suspirei com a voz que respondia ao meu chamado, sem poder culpa-lo por estar tão esgotada quanto.

- Aqui é a agente Melroa solicitando suporte. Fui raptada e acabei de escapar. Estou enviando minha localização.

Não consegui passar a devida urgência em minha voz. Afinal eu não me sentia em perigo. Confusa, cansada, aparentemente faminta, mas nada de perigo.

O Iormashiano demora a responder a mensagem da piloto e, quando o faz, não esconde nem um pouco sua preguiça de fazê-lo. Suas palavras são precedidas por um profundo bocejo e são carregadas com cansaço.

— Ahm... é sérrio? Digo, erm... você parece estar bem perto da base de Vumihe Boik, localizada em uma das luas de Marmihn. Tipo... bem perto mesmo. Seria mais fácil você passar por lá ao invés de pedir por socorro, né? Quer dizer... não querro dizer nada, só que dá pra você ir lá sozinha, sabe?

Próxima a si, Melroa pode contemplar o planeta-natal dos Kroyvisianos ao longe. Em torno deste, três luas de tamanhos diferentes mantêm sua rotação.

Depois da resposta senti meu rosto arder de raiva. Olhei para o painel da nave, tentando controlar o mau humor.

- Ah puxa, não me diga! Que gênio, meu salvador. SÓ QUE EU ESTOU COM A PORRA DE UMA NAVE MALTRAPILHA E SOU UMA CRIMINOSA PROCURADA! VAI ME DAR AS COORDENADAS MAIS SEGURAS OU EU VOU MESMO TER QUE IR AI ARRANCAR DE VOCÊ?! Esse é meu planeta natal, animal, acabei de ser sequestrada e não quero passar pela mesma experiência.

Só reparei que minha respiração estava um pouco pesada quando terminei de falar. Balancei a cabeça em negação e mudei a trajetória esperando pelas informações que pedi.

Em uma sala pequena e mal iluminada, repleta de telas que exibem imagens de câmeras e de salgadinhos das mais diversas marcas, um Iormashiano está debruçado e preguiçosamente apertando o botão em um comunicador que o permite falar. Seus olhos reviram após a resposta, e a única que o da forças para continuar naquele emprego detestável é o salgadinho que ele alcança com a mão livre e leva até a boca.

— Clarro que sim, comprreendo perfeitamente. — Ele murmura enquanto relutantemente ergue-se e senta-se normalmente na cadeira. — É que chamar uma nave de apoio pra você dá realmente MUITO trrabalho e incomoda os outros pra pouco, entende? Mas veja só, há um report sobre um pequeno meteorito alguns kilômetros na sua frente. Se contornar ele, você chega até Vumihe Boik em segurança e eu volto pro soninho.

Franzi o cenho numa tentativa de não surtar mais uma - vez. Pude sentir o estresse se acumulando em minha nuca, mas me limitei a morder minha bochecha enquanto seguia suas instruções.

- Já que acordei a Bela adormecida, poderia me atualizar? Procure por notícias do agente Heylel. A gente era da mesma equipe e quero saber se ele também foi capturado.

Conforme pilotava, procurava controlar e ter mais conhecimento da nave.

Enquanto esfrega os olhos, o felino digita alguns comandos em seu dispositivo. Uma tela digital sobe tecnologicamente e revela um wallpaper de uma garota 2D com peitos de tamanho colossal, estendida sobre uma mesa e olhando para ele de um jeito provocativo. Nessa computador, existem mais jogos online do que programas realmente úteis para sua profissão.

— Sim, senhorra. — Ele exagera na formalidade de propósito. — Lembrrando que eu estou atendendo seu pedido por ajuda porrque sou uma ótima pessoa e porrque sua voz me pareceu sexy. Ninguém aqui recebe nada, mocinha.

Com alguns cliques rápidos, ele consulta a situação atual do homem cujo nome é citado.

— Pois bem. Heylel Fahrenheit passou por essa base que está próxima a você, a de Vumihe Boik, mas a deixou faz um tempo para ir até Gradopolis. No entanto, os últimos relatórios dizem que ele está em Tuntau e está prreso pelos nativos.

Contive um resmungo de nojo e voltei a focar no trajeto, parando pouco antes de entrar no planeta. Refleti por tanto tempo que talvez o cara tenha desligado na minha cara e trocado o gozofe por uma boa soneca. Se eu fosse ele faria isso. Heylel podia estar com as crianças. Nesse caso elas eram prisioneiras também. Com um suspiro, esfreguei as mãos no rosto.

- Certo projeto futurístico e falsificado do Jiraya. - Não esperei que ele notasse a referência ao desenho Naruto. Era uma boa forma de xinga-lo mentalmente sem ter que arrumar briga. - Sabe dizer se ele estava com gêmeos? E se alguém foi ajuda-los? Achei que seu pagamento fosse ver a galáxia livre da tirania da aliança.

Fiz uma careta ao terminar. A frase agora me parecia ridícula e sem sentido. Mas era o jargão de muitos rebeldes, sua causa nobre. Rezei internamente para que não soasse debochada. Não precisava de mais um sermão ideológico.

- E quem está responsável por este planeta?

Até onde eu sabia era comum cada planeta onde a reconquista mantinha uma base ter um líder ou comandante. Meu conhecimento não era vasto no assunto, mas nomes de líderes que de deve evitar sempre estão guardados num canto especial da memória.

— É isso sim senhorra. Mas eu imagino que a sobrevivência do universo e a independência dos doutrrinadorres não dependa muito da senhorra encontrrar uma base da Reconquista. — Ele dispara, insistindo na disputa de farpas. — Mas muito bem, muito bem. Caí no feitiço da voizinha gostosa, não é?

A nave de carga sobrevoa Vumihe Boik, uma das luas de Marmihn. Melroa sabe que ela é povoada por foras-da-lei ou por pessoas que se rebelam contra as organizações estatais kroyvisianas, que contam com uma segurança excelente e garantem que eles não habitem mais o solo de Kasna (maior capital de planeta). Pessoas assim identificam-se muito com a ordem rebelde, e cedem sua base para um pequeno quartel general da Reconquista.

— Sei que uma pessoa atendeu ao chamado de um membrro da ordem que avistou o tal Heylel por lá, mas sabe-se lá se um só é suficiente. Pelo jeito, ele se meteu aonde não deverria e em um planeta bem perrigoso. Aqui não diz nada sobrre gêmeos, apenas sobrre uma garrota... ou garroto.

Já próxima o suficiente, Melroa pode observar uma pequena área habitável da lua sem atmosfera, toda encoberta afim de possibilitar o abrigo de vida ali.

— A líder de Vumihe Boik é Morra, uma mulher muda e estrranha. Dizem que ela é legal, ainda assim.

A cara de nojo foi inevitável. De todos eu tive logo que ficar com um depravado de sotaque bizarro. Ao ver que me aproximava, voltei minha atenção para manter a nave o mais estável possível.

- Claramente a galáxia estará mais segura com assediadores no controle. Animador.

Franzi a testa, tentando me lembrar do nome. Nada em especial me vinha a mente, mas ser cautelosa parecia o melhor a ser feito.

- Se receber mais algum pedido de ajuda deste agente envie as coordenadas para mim. Por enquanto preciso me recuperar. Já estou perto da base, vou desligar.

Me aproximei lentamente para que desde tempo de entrar em contato. A última coisa que eu queria, e a que mais temia, era ser considerada uma invasora. Repeti num tom mais suave a mensagem que tinha mandado mais cedo.

- Agente Melroa solicitando entrada.

Torci o nariz ao ouvir novamente aquela voz que, infelizmente, tornava-de cada vez mais familiar. Usei as instruções e procurei ficar num ponto cego, mas deixei a nave engatada pra sairmos dali o quanto antes.

"Você só fala quando te convém? E eu posso saber porque diabos eu corro risco em Gradopolis? E o que sabe sobre Miyano?"

Me esforcei pra não esbravejar e acabar assustar Miyano. Por isso acabei com uma expressão mal humorada. Tratei de suavizar enquanto eu girava a cadeira.

¬ Miyano, chegamos na parte difícil. Ao que parece eles redobraram a segurança. Então vou entrar em contato com Burnes pra tentar uma entrada mais segura.

Peguei a caneca de café que preparei antes e um bolinho doce. Ainda de boca cheia, me virei novamente para os controles da nave e voltei a falar.

¬ Mas eu vi que En... Hana estava guardando uns dados interessantes.

Mexi na tela, fazendo as informações saltarem na mesma. Nomes, datas, idades.

¬ Hana. Pesquise Natsuno.

Miyano estava sentado no assento ao lado de Celes, com as perninhas cruzadas sobre o branco e acariciando a nuca de Rex. Estava distraído até ouvir seu nome ser chamado, olhando para a mais velha enquanto absorvia suas palavras.

- Talvez poderíamos invadir a central e enviar sinais falsos... - Sugeriu com certa hesitação. - E o visor do Heylel? Talvez poderíamos usá-lo para outra coisa.

Ouviu o comando para Hana, arregalando os olhos com um misto de esperança e curiosidade. Provavelmente não teriam resultados, já que era improvável que aquele fosse o sobrenome verdadeiro dos pais, ou que o usariam em outras situações. Akemi e Connor eram cuidadosos demais, então seria difícil até para Miyano encontrar qualquer informação sobre ele.

Mas talvez tivesse sorte.

━ Olá, Mikhail Bardenko. Seja bem-vindo a central de históricos criminais da Aliança! Você andou reforçando o café da manhã como foi sugerido recentemente em sua última visita à Medcon? Por favor, senhor Mikhail, insira algumas proteínas no café da manhã se quiser definir esse peitoralzinho.

É visível que o visor funciona automaticamente com o olhar direto. Caso alguém o usando mire em outra pessoa, informações automaticamente aparecem, mas também é possível pesquisar manualmente por uma lista de criminosos com o mesmo crime ou por nomes específicos.

━ Por favor, insira uma palavra-chave. Note que palavras obscenas são imediatamente reportadas a um superior - isso não têm graça.

A palavra "Natsuno" revela alguns resultados de outras famílias - afinal é impossível que ajam poucas pessoas num universo tão difundido onde alguns podem ser até mestiços com parentesco muito antigo. Quase no fim da lista, porém, o nome "Akemi Natsuno chama a atenção".

Akemi Natsuno:

Observei a expecrativa do pequeno pelo canto do olho com um sorriso no rosto. Continuei comendo enquanti esperava os nomes serem analisados. Então num canto da tela abri uma aba para verificar as notícias mais recentes. Quando vi sobre Gradopolis, aumentei a noticia para metade da tela. Li o relato com atenção, mas certo tédio. Até chegar naquela parte. Um implante que possibilitou alguém voltar da morte. Me postei pra frente a cada linha lida, com minha mão humana indo até a nuca onde a marca do tiro estava.

Por mais que eu gostasse só meu café doce, o gosto amargo se destacava. Quando cheguei no final, na reverência a aliança, me levantei num pulo. Peguei a caneca e a lancei na parede ao fundo da sala.

¬ ENTÃO É ISSO?! FUI USADA COMO UM EXPERIMENTO DA ALIANÇA?! VOCÊS ACHAM QUE PODEM BRINCAR COM A VIDA DAS PESSOAS?

Eu ansiava por um resposta, mas não acreditava que teria uma. Já estava acostumada com o silêncio seletivo da voz, que nunca me dava algo concreto além de uma possibilidade de insanidade. Quando me virei novamente, vi o painel mostrando o resultado. Imediatamente murchei e voltei para o meu lugar, sentando na poltrona com um suspiro pesado e cansado. Não falei mais nada, Miyano precisava do tempo dele.