Chuva de mentiras

O homem dá de ombros. Não se importa realmente em quem aposta ou deixa de apostar, esse não é o seu trabalho. Sua obrigação é apenas manter tudo sobre controle, e além do mais, o jovem não parece lá uma grande ameaça. Ele então ergue sua mão na direção da mesa redonda onde ocorriam as apostas, no centro do estabelecimento, como quem permite que ele siga até o local.

━ As apostas são livres por aqui. Só tome cuidado, garoto. Esses homens realmente levam isso a sério. ━  Aconselha, deixando que o albino vá.

Com o disfarce improvisado, Madarame não chama tanta atenção como acontece geralmente. Na mesa, estão 7 homens mais velhos de raças variadas apostando, aparentemente valores bem altos. Além deles, também há uma pequena plateia que acompanha cada uma das rodadas com atenção.

Todos os homens na mesa se entreolham, após arregalarem os olhos com a quantia que um novato estava colocando na mesa. Parece absurdo para os mesmos, que logo ali o jovem decidiu gastar todo aquele dinheiro, logo contra eles. Eles então riem em conjunto, quase em uníssono. Não só riem como gargalham intensamente, como quem acaba de ouvir uma grande piada. Um Iomarshiano no centro da mesa observa Madarame com um sorriso malicioso, inclinando-se para a frente. Pelo jeito formal com que está vestido, o felino parece ter um grande poder aquisitivo.

— Tsc, tsc. Mas que pena, mais um caindo nas minhas belas garrras assim, tão fácil. — Lamenta ironicamente com o forte sotaque, analisando suas garras por um instante. — Quer mesmo se entrrregar, filhote?

Um clima estranho se instala subitamente, e faz com que toda a falação dos presentes no bar e no cassino parem. Todos os olhares se direcionam a uma escada um pouco escondida que Madarame não notou até então. Desta, desce uma mulher muito bonita. Aparentemente, ela é terráquea como ele, tem cabelos lisos, escuros e muito brilhantes e uma pele claríssima. Além disso, suas roupas são sedutoras e elegantes ao mesmo tempo, com sapatos de salto altíssimos.

Todos parecem hipnotizados pela presença, até mesmo as mulheres. Em seus rostos, pode-se ver desejo, admiração e até temor. Ela passa pelo balcão e sorri para o barman, que prontamente serve uma taça de champagne para a mulher sem que ela o peça. Ela pega a bebida com seus longos e delicados dedos, levando-a aos lábios brevemente antes de voltar a andar com elegância na direção da mesa de apostas onde se encontra Madarame. Um sorriso leve permanece em seus lábios, e ela aproxima-se do jovem albino, mas dividindo seu olhar entre todos da mesa.

— Olha só, o que temos aqui? Vocês não estão perturbando esse rapaz, estão? — Ela ri, finalmente dirigindo seu olhar a Madarame diretamente. — Sou Diana, é um prazer. Você é novo por aqui, certo? Qual é o seu nome, querido? — Questiona, encarando-o intensamente com os olhos escuros e brilhantes enquanto ergue o queixo do homem com a mão desocupada, para vê-lo melhor.

Diana:

O sorriso da mulher se alarga, chegando até a deixar que um riso leve escape por entre os lábios carnudos e vermelhos, divertindo-se com o nervosismo do jovem com sua presença. Claramente já está acostumada devido a toda atenção que recebe. A mão da mesma é retirada do queixo de Madarame, fazendo com que as pontas das longas unhas cobertas pela luva que utiliza arranhem brevemente sua pele. Diana aperta a mão lhe estendida com delicadeza e cordialidade, enquanto os olhos afiados e brilhantes encaram o albino, quase como quem o devora pouco a pouco.

— Seja bem vindo, Afuro... E pode me chamar apenas de Diana, meu querido. Aceita um drink? — Ela toma outro gole curto de sua bebida, encerrando o comprimento com as mãos. — Eu não costumo jogar, desculpe. Acredito que hoje eu só vá ficar assistindo, mas... — Seus olhos então alcançam então o Iomarshiano do outro lado da mesa. — Ascaek certamente poderá jogar com você. Eu particularmente acho muito divertindo assistir novatos jogando, mas saiba que aqui não aceitamos mentiras e trapaças de nenhum tipo. — O felino assente, enquanto a mulher mantem seu sorriso e pisca na direção de Madarame com seus longos cílios.

O sorriso da mulher se alarga, satisfeita. Ela então olha para o barman que a havia servido novamente, fazendo um sinal com a mão, ainda que a atenção do homem já esteja presa nela.

— Traga um coquetel sem álcool para nosso novo jogador, por gentileza. — Pede, embora o homem pareça entender aquilo como uma ordem instantaneamente, e começa a preparar a bebida com prontidão.

Os dedos longos de Diana tocam as costas de uma cadeira ao lado de onde Madarame está sentado, e um Jhayesiano que a ocupa sai de lá prontamente e lhe dá lugar, puxando-a para que a mulher ocupe o assento em seguida. Assim que se senta, ela se acomoda e inclina-se na direção do humano, mantendo os olhos afiados presos no do mesmo.

— Mas que boa notícia, não é mesmo? — Diz com a voz mais suave, conforme toca as mechas mais longas do cabelo do homem com os dedos. — Então por que mente para mim, Afuro? Ou devo dizer... Madarame Baku? — Ela sorri ainda mais intensamente, tornando uma forma quase sádica, mas ainda sedutora. Seus olhos estão ainda mais fixos nos dele, e muito mais afiados.

Todos os outros presentes se entreolham, levemente chocados com a revelação da identidade do homem. Entretanto, nada dizem. No clima estranho instalado ali e por todo o respeito pela mulher, ela jamais seria interrompida. O garçom se aproxima cautelosamente para deixar um copo comprido e preenchido com um líquido colorido.

— Aqui, sua bebida. — Ela então arrasta o copo pela mesa na direção do homem, sem tirar seus olhos dos dele por um instante sequer.

Ela não se intimida com as provocações de Madarame e por momento algum quebra o contato visual estabelecido com o homem. Na verdade, o brilho em seus olhos aumenta ao constatar que ele parece saber algumas coisas sobre si também. Com mais um gole em sua bebida, ela aproxima-se ainda mais do albino.

━ E quem disse que eu desisti, meu querido? ━ Um riso baixo escapa de seus lábios. ━ Vou te dar um pequeno conselho, certo? Não fale do que você não sabe por aí... Muito menos quando se trata da Máscara. ━ Ela abaixa o tom, quase chegando ao nível de um sussurro, próximo a orelha de Madarame.

Um som sutil pode ser ouvidos por todos por conta do silêncio instalado no estabelecimento, e ele vem de uma pequena bolsa de mão preta no colo de Diana. Ela então se afasta do homem e a abre, retirando um technophone de lá. Após alguns segundos observando a tela e alguns cliques, ela o bloqueia e o guarda na bolsa novamente.

━ Bom, desculpem-me por sair assim, mas tenho coisas para resolver. Por favor, divirtam-se. ━ Ela diz a todos enquanto se levanta. ━ Obrigada pela conversa, Madarame Baku. Espero que possamos nos ver novamente em breve... ━ Comenta enquanto passa pelo homem, tocando as costas do mesmo com suavidade de forma que as unhas passeiem por sua pele mais uma vez, enquanto se dirige em direção a porta e o som de seus saltos contra o chão ecoam pelo ambiente.

As falas de Madarame direcionadas à Diana não fazem com que a mulher pare seu caminhar. Muito pelo contrário, o barulho de seus saltos contra o chão é contínuo e muito bem controlado. Em momento algum a mulher o olha novamente ou perde a compostura, e uma risada sonora sai de seus lábios, como se tivesse acabado de ouvir uma ótima piada, enquanto deixa o estabelecimento para entrar em uma nave brilhante, escura e com tecnologia de ponta que a espera do lado de fora.

O partir da nave que leva a mulher deixa o clima mais descontraído dentro do bar e cassino novamente, fazendo com que aos poucos as conversas espalhadas retornem ao ritmo anterior. Embora alguns olhares sejam dirigidos ao albino novamente, todos são de estranhamento. Talvez pela maneira com que falou com a mulher que tanto respeitam ou ainda pela revelação de sua verdadeira identidade. O Iomarshiano, entretanto, é o único na mesa onde está que continua o olhando da mesma maneira que antes, cheio de si.

— Não me imporrrto com seu nome, humano. Você acha mesmo que consegue me enfrrrentar? — Ele inclina-se sobre a mesa, apoiando a cabeça em sua mão direita. — Se acrrreditar mesmo nisso, vá em frente. Hum... Até mesmo vou deixar que escolha o jogo, dessa vez. — Propõe, analisando suas longas garras por um momento.

Antes que o seu alvo possa responder, um homem alto e forte se aproxima. Vestido de maneira elegante com um terno sofisticado e bem recortado para suas medidas, toca o ombro de Madarame com delicadeza.

— Senhor, com licença.

Ele é humano e parece totalmente cortês. Em sua mão destra, carrega um dispositivo de formato oval ainda desligado. Na outra, carrega uma taça de vinho que serve para o convidado ainda que não tenha sido previamente requisitada.

— Carrego uma mensagem holográfica comigo.

A imagem holográfica que se forma a partir do dispositivo é apenas do busto da figura que se dirige ao apostador. Seu semblante, por baixo do traje, é indecifrável e misterioso. Seus movimentos raros também não mostram muito de sua personalidade.

— Você é Madarrame Baku, um homem muito prrocurrado ultimamente e que vêm ganhando notorriedade da mídia. O que quer aqui?

Outras pessoas ao redor observam a cena de canto de olho. A Máscara raramente fala diretamente com alguém, ainda que por chamadas holográficas. Geralmente, apenas envia um representante se é que se importa a ponto de fazer isso.

Sua expressão permanece indecifrável. Dois olhos brilhantes se destacam na máscara que lhe confere o nome, mas eles não revelam nada. Nem ao menos oscilam.

A Máscara é conhecida por ser a rainha das negociações e muitos teorizam que ela têm muito mais poder do que a Aliança e a causa rebelde juntas. Poucos têm a honra de conhecê-las mas, os que o fazem, dizem que só existe uma regra: você sempre perde alguma coisa.

— Prrocurrado, clarro. Talvez não saiba pelo longo tempo que passou viajando mas um vídeo seu com Azbakin foi publicado e sua figurra se tornou bastante popular. Sua vida é uma moeda valiosa, porém não tenho nenhum interresse em algo que alguém está disposto a me dar.

Apesar de não mudar o semblante, ela se registra em um largo sofá e passa alguns segundos em silêncio analisando a figura que vê em sua tela.

— Vou analisar você e vejo se encontrro algo que me interresse. Enquanto isso, acomode-se e jogue, já que é com isso que se diverte. Mas não se engane se acha que vai lucrar muito às custas de meus clientes. Aqui não é seu lugar, Madarrame. Não é bonito e não é chique... é apenas um lugar para as pessoas de divertirrem, e quem sabe eu não comece a me divertir agorra.

O Iormashiano diante de Madarame arregala seus olhos, temeroso não só em relação ao apostador mas também com a intromissão da Máscara. Apesar de frequentar o clube por anos, jamais vira sua dona revelar-se daquela maneira.

— E-E-Eu não tenho todo esse dinheirro, senhor. — É claro que está amedrontado por seu semblante trêmulo. A mera feição de Madarame o inspira medo. — N-Na verdade, tudo o que tenho são mil e duzentos crréditos. O resto eu gastei em mulheres, me desculpe!

Seu tom choroso difere muito da coragem anterior. O espetáculo espontâneo, porém, atrai pessoas ao redor que agora estão curiosas para ver o homem que chamou a atenção da Máscara acabar com o Iormashiano. Alguns poucos parecem até conhecer Madarame pelo tal vídeo mencionado.

O holograma a sua frente parece vidrado na cena, finalmente divertindo-se com a situação. Ao invés de retribuir a qualquer possível provocação, porém, a entidade apenas recosta-se uma vez mais no sofá atrás de si.

— Boa sorte, Madarame. E obrigado.

São suas últimas palavras antes de desligar a chamada, o que automaticamente dispensa o homem bem vestido que levou o aparelho até o apostador.

A plateia, ainda que não tenha condições financeiras tão altas quanto Madarame espera que tenha, contagia-se com seu afinco pelo jogo. Um a um, alguns presentes tomam a frente e decidem participar daquele espetáculo proposto pelo humano.

— Eu dou duzentos para juntar com o seu dinheiro e formar dois mil, vai. — Aproxima-se um Huu que ainda parece descrente na situação, mas diverte-se com ela e decide ser o primeiro a juntar-se. —  Se você ganhar, quatrocentos créditos são meus. 

As apostas de fato começariam baixas, e se dependesse do Iosmashiano não iriam longe. Daria uma chance para a própria sorte ali, mas promete para si mesmo seguir o conselho de sua esposa e nunca mais vai tentar apostar na vida. Temeroso, ele toma a frente e aceita jogar.

Os espectadores ficam de queixo caído, principalmente porquê ninguém nota uma trapaça sequer de Madarame. Dentre os sussurros e burburinhos, espalha-se cada vez mais o rumor de que ele é mágico ou uma espécie de entidade capaz de controlar o resultado dos jogos.

Todo esse status ganho pela vitória limpa faz com que todos temam enfrentá-lo. O bar onde está claramente não é o mais luxuoso que já viu, mas sem dúvidas é o mais cheio - e absolutamente ninguém tem a coragem para sentar-se na mesa. Todos entreolham-se, querendo ver quem será a próxima vítima, mas ninguém toma a frente.

A porta de entrada recebe cada vez mais visitantes impulsionados pelo rumor que o apostador está presente, e o bar recebe cada vez mais público. Todos eles, porém, parecem mais interessados em assisti-lo e gravá-lo do que de fato jogar.

Apesar da proposta ser de fato instigante, os funcionários talvez não sintam firmeza no tom de Madarame. Quem sabe a proposta não é tão boa que faz com que desconfiem de sua veracidade e sintam-se acuados para participar do jogo. Por vezes, um ou outro até tenta tomar coragem para tomar a frente mas no final das contas não o faz.

— Com licença, senhor. — Torna-se a revelar o segurança que anteriormente serviu Madarame. — Por ordens de minha patroa, vim aceitar o seu desafio. Devo lhe informar porém que sou contratado e não coagido, então somente me retirarei do cargo caso vença o jogo.

Ainda com o sorriso simpático de quem leva a sério o próprio trabalho, o homem senta-se a mesa com a maior educação possível. Enquanto isso, mais e mais pessoas parecem chegar com a promessa de presenciar os jogos de Madarame que já foram relatados nas redes sociais de muitos. Caso pare para analisar a internet, o apostador pode ver que algumas pessoas dirigem-se para Ghouane apenas para ver de perto toda aquela mitologia que vêm se formando sobre sua pessoa.