Protegendo o território.

Enquanto estava no chão, aproveitou uma posição de atirador de elite e tentou atirar contra a nave. Queria fazer barulhos que fizesse o homem se assustar ou que o piloto da nave, em medo de ser atingido, fugisse.

— Tem uma nave logo à frente, senhor. Ele pediu reforço — dizia ele pelo comunicador — Vou atirar na nave para assustar algum dos dois, continue na corrida.

O tiro no fugitivo é eficiente. O dano causado é suficiente para fazê-lo perder o equilíbrio não só pelo ponto atingido mas também pela dor excruciante que resulta do ferimento.

Ao mesmo tempo, o 22 de acerto eficiente e preciso disparo de Frederick atinge um ponto essencial do propulsor traseiro da nave de apoio que também perde sua trajetória e bruscamente decai em altitude. Expelindo um pouco de fumaça negra de seu maquinário, o veículo afunda-se na areia e para a movimentação.

Com a respiração ofegante, o espião ainda tenta arrastar-se até a nave afundada no solo, uma vez que naves como aquela costumam contar com pequenos veículos de emergência. Sua atitude temerosa mesmo naquela situação denuncia que ele não têm intenção de atirar, mas alcançar a nave antes que Ale'ek o alcance é impossível.

Vendo que tudo deu certo, levantou-se do jeito mais rápido que conseguia. Em seguida, sabendo que seu capitão iria alcançar o papparazzi, passou reto em direção à nave.

— Vou alcançar quem estiver dentro da nave, capitão. Prometo não escorregar de novo!

Debaixo da areia, um movimento sutil acontece. Num movimento de arco, algo enterrado superficialmente tenta atrapalhar o equilíbrio das pernas de Frederick e derrubá-lo na areia escaldante do deserto.

Impossibilitada de se mover, a pessoa abaixo de Frederick tenta seu último movimento para retardá-lo mas escapar já é impossível. Desistindo de escapar da dupla de soldados, ela retira o traje camuflado e revela sua aparência.


É uma Zathriana, aparentemente de idade, e isso explica o motivo de não aparentar sentir calor mesmo debaixo de tantas roupas num deserto quente como aquele. 

— Se afaste de mim, vilão! — Ela exclama com ferocidade, num tom de ameaça ainda que não possa contra-atacar. — Nada aqui pertence a você.

Ale'ek, por sua vez, alcança a nave derrubada e depara-se com o cockpit vazio. Ela aparentemente não tinha piloto e fora convocada ali no automático pela Zathriana, mas ainda têm um computador de bordo com alguns dados. Ele requer senha, mas parece antigo e fácil de se quebrar.

Em uma análise mais precisa, o capitão pode identificar que a nave é um modelo da Aliança repaginado e customizado.

Estava imobilizando a lagarta quando se assustou com a palavra vilão.

— Vilão?! — gritava ele brabo — CAPITÃO ELA É RACISTA! — falava enquanto apertava os membros imobilizados, causando certa dor — POR QUE EU SOU O VILÃO? RACISTA DE MERDA!

— Eu?! Racista?! — Ela exclama, agora realmente furiosa. — Olha bem pra mim, vilão, eu sou uma ZATHRIANA! Se têm uma raça nessa galáxia que é alvo de racismo, é a minha.

A mulher parece ter se ofendido profundamente. Ensaiou até mesmo levantar e enfrentar Frederick ainda que em desvantagem, e teria o feito se não tivesse com seus membros imóveis bloqueados pelo cabo leonês.

— E ainda me pergunta o porquê. Você está no planeta fazem cinco minutos e já balearam uma mulher indefesa, e agora estão prestes a me matar! Céus, você é um dos piores vilões que já vi! — Ela fala entre um gemido e outro provocado por seus ferimentos.

Ale'ek é bem sucedido ao hackear o aparelho. Dentro dele, encontra diversas fotografias como aquelas tiradas de si (inclusive uma na cidade quando alvejou a prostituta). No HD do aparelho, diversas imagens e vídeos de cenas violentas, muitas delas cometidas por agentes com o uniforme da Aliança. Outras, por pessoas que ostentam o símbolo da Reconquista.

— Te matar?! Além de racista é exagerada! Não acredito nisso! — dizia ele que deixava os membros relaxados agora, mesmo que presos.

Ele olhava para o capitão que vinha e mandava uma mensagem para ele usando o seu HUD cerebral.

"Ela é inofensiva, mas se eu soltá-la, irá fugir. Vamos entender a situação por ela"

— A meretriz tentou roubar o meu capitão. Concordo que ele foi longe demais, mas ela também não devia ter feito aquilo! Nenhum de vocês são inocentes se acham justo roubar. Se me pedissem dinheiro e ajuda eu daria com toda certeza, racistas incoerentes!

Seus ânimos parecem se acalmar um pouco quando Ale'ek se aproxima. Ainda assim, sua expressão ranzinza parece apenas mascarar o medo profundo que sente dos dois.

— E quando foi que eu te roubei, palerma?! — Ela exclama, desviando o olhar enquanto parece procurar por algo. — Eu já vi vocês matando, todos vocês. Abusam do poder, da superioridade, do privilégio. Fazem o que querem conosco, e se alguém tenta combater... é isso que fazem!

Enfim ela encontra o que procura. Dentre as dunas, ainda um pouco distante, um veículo aproxima-se em velocidade e parece rumar a direção na qual os três se concentram.

— Aliança, Reconquista... vocês todos fazem do mundo um grande pano de fundo pras suas guerrinhas idiotas. Vocês dois são muito piores do que os ladrões e mercenários da cidade.

Ele ficava mudo diante de tais acusações. Sabia que poderia ser verdade pois muitos soldados são à imagem do capitão à sua frente e também sabia que muitos da reconquista eram muito pior que qualquer soldado da aliança.

Não sabia o que falar, só sabia que tinha que continuar segurando ela, até que disse:

— Se você não estiver sozinha e alguém tentar algo contra nós, te usarei de escudo. Mas, se você quiser, ajudo no seu machucado enquanto você nos ajuda a entender a situação do planeta, pois é por isso que fomos chamados: ajudar vocês.

— E aí você... atira nela?! — Seu tom é de indignação, diferentemente da maneira agressiva que usa com Frederick. Talvez seja por medo de seu agressor, ou talvez por não ter coragem de desafiá-lo como faz com o negro. — Vocês são vilões e eu tenho provas disso documentadas. Irão enfrentar a punição por seus crimes!

O veículo aproxima-se rapidamente conforme conversa. A esse ponto, ele parece estar a menos de um quilômetro do local e ainda assim as pessoas em seu interior não são identificáveis.

— Eles são amigos de todos, menos de vilões como vocês. Vai fazer o que, grandão, lutar com eles?! Ha, quero só ver!

O veículo enfim chega a poucos metros do lugar, e dele descem duas figuras curiosas. Uma delas é uma Iormashiana vestida com roupas coladas e provocantes, e ostenta garras extremamente longas e afiadas. A outra, com aparência mais enfezada, trata-se de um Haytok (provavelmente mestiço).

— A Milícia do Povo finalmente chegou! — Exclama a garota numa voz aguda e animada.

— ... para vingar o sangue que você derramou. — Completa o Haytok, claramente embaraçado com a situação.

— Já não há mais escapatória para você, vilão! — Ela continua enquanto retira sua adaga da bainha e realiza movimentos ágeis, como se fosse uma dança.

— ... a Milícia do Povo tá sempre pronta pra ação.

O leonês se irritou. Libertou a mulher, sabendo que agora ela não conseguiria fugir pela perda de sangue e que sua perna estava praticamente destruída e aproximou seu rosto dela, ignorando os recém-chegados.

— Você está me dizendo que EU — ele se irritava por estar carregando o ódio que o seu capitão cultivou — EU SOU O VILÃO?! EU TENTO SALVAR A PUTA, MESMO ELA ROUBANDO A GENTE QUE VEIO DE BOM GRADO PARA AJUDAR UM TERRITÓRIO HOSTIL E FRACASSADO COMO ESTE E EU SOU O VILÃO? — ele montava em cima da mulher. Estava em uma posição bem sexual para a situação, mas mantinha a cabeça colada na mulher deitada.

Seus olhos brilhavam conforme a irritação aumentava, parecia que iria explodir a qualquer momento. No entanto, repentinamente, o brilho de gema parou. Parecia que ele havia recuperado os sensos.

— Se você quer ter o direito de reivindicar os seus direitos, então pare de ser uma hipócrita burra — dizia, conforme se levantava — Se você inticar e odiar a todos que chegam ao seu planeta para tentar te ajudar, você nunca terá ajuda. Tu acha que essa Milicia do Povo hipócrita é a sua salvação? — seu indicador ia de encontro para os milicianos — NUNCA! NUNCA EM MILHÕES DE ANOS UMA MILÍCIA FRACASSADA COMO ESTA IRIA SE ERGUER.

Então, seu braço se esticou para a mulher deitada. Estava oferecendo ajuda a ela para ficar sentada.

— Meu povo demorou 2020 anos para poder se erguer; e sabe como ele fez isso? Utilizando ajuda externa, pois os que estavam a nossa volta só nos destruíam ou estavam em situação pior. Saiba utilizar sua raiva se quer reivindicar seus direitos e saiba ensinar ao seu povo como fazer isto. Roubar um estranho não se faz, agora roubar alguém que você já sabe que é um monstro, aí pode estar certo — seu discurso continuava, seu tom irritado se transformava em um tom parental. Estava dando um sermão por não aguentar aquela situação.

Sabia que eles não tinham culpa de estar assim, sabia que era triste e sentia uma enorme empatia por aquela situação. Se sentiu no direito de dar esse sermão e também queria que aquela missão desse certo, no entanto, não iria aturar desaforo.

— Afinal, não é tu que tem provas documentadas de quem é realmente o vilão? Então pare de ser preconceituosa e aja de acordo com seu sonho!

Nessa hora, se ela tivesse aceitado a ajuda, estaria rasgando a sua camisa "segunda pele" para tentar ajudar no machucado da mulher.

A Iormashiana ameaça a todo momento desembainhas sua adaga enquanto mantém os olhos felinos fixos na dupla. Já o Haytok, aparentemente menos eufórico do que ela, mantém os braços cruzados e aguarda o desenrolar da conversa. Diante dos gritos de Frederick, a garota chega a puxar o cabo da lâmina, mas é interrompida pelo parceiro.

O grandalhão toma um passo a frente e aperta as sobrancelhas olhando para o leonês. Sem dúvidas teria-o atacado se não fosse por seu ato de estancar o ferimento da conhecida caída ao chão.

A idosa tenta ao menos apoiar as mãos na areia enquanto seu ferimento é tratado. Ao mesmo tempo, olha para a dupla com um misto de medo e confusão.

— Depende, garrotão. — Se aproxima a felina com um sorriso malicioso. Com a garra de seu indicador ela toca o peitoral de Ale'ek. — A Grrusha mandou mensagem falando que flagrrou dois soldados engomadinhos atirrando numa ladrra pobrre lá em Shinar. Serriam vocês, por acaso? Eu esperro que não, porquê se forem irrão enfrrentar...

—... a Milícia do Povo. — Completa o Haytok enquanto revira os olhos.

Ele então aproxima-se da Zathriana e ergue o braço forte para que ela se levante. Caso permitam que o faça, ele ajuda ela para que se locomova até o lado da Iormashiana mais uma vez. Ela parece atônita e pensativa com o sermão de Frederick, questionando momentaneamente seus conceitos.

— Tirar da miséria? Expliquem melhor, o que estão fazendo aqui? — Indaga o Haytok, surpreendentemente mostrando domínio e clareza ao falar o idioma padrão.

O negro fez uma leve reverência para a mulher e se afastou um pouco, ficando um pouco atrás de seu capitão.
Iria deixar com que ele falasse até que se sentisse no direito de contradizer ou adicionar algo. Por enquanto já havia falado o que sentia ser necessário.

— Epa, epa, epa! — Exclama a Iormashiana, encarando Ale'ek de frente novamente. Irritada, ela força sua testa contra a do capitão. — Ninguém morreu não. A gente só da uns tabefes prra ficar esperto, ouviu bem?!

— Fica calma, Kisra. Eles não parecem querer confusão. — O Haytok de alguma maneira parece ter menos disposição para lutar do que sua companheira. — E além disso, precisamos levar a Grusha de volta pra base. Sabia que ela tava velha demais pra fazer isso.

Esquentada, ela não pada de encarar diretamente o capitão e mantém a todo momento a mão repousando sobre o cabo da adaga.

— Ele pode não querrer, mas serrá que ele não merece? Ele atirrou na Grusha, Tan! A gente podia pelo menos dar uma arranhadinha nessa carra bonita dele.

O Haytok revira os olhos mais uma vez e volta-se para Frederick que, até então, parecia mais racional tanto em sua discussão com Grusha quanto em seu posicionamento na abordagem.

— Acho que eu e você somos os sensatos aqui. Vamos lá, o que vocês querem aqui em Shinar?

— Meu capitão disse várias vezes, senhor. Viemos aqui porque falaram sobre arruaceiros atrapalhando as ajudas da Aliança. Tirar este planeta da miséria é um dos objetivos — dizia ele, calmo e com o mesmo tom que usava com qualquer outra pessoa.

Era respeitoso, mas mostrava uma igualdade na hierarquia (mesmo que não tivesse).

A Iormashiana ensaia abrir a boca para voltar a disparar palavras, mas é interrompido pelo Haytok mais uma vez. Aparentemente, ele era o mais centrado e resolveria a conversa.

— Nem eu e nem Kisra podemos falar pela Milícia do Povo. Não temos líder, apenas um objetivo em comum.

— É isso mesmo. Para decidir alguma coisa, precisamos abrir uma assembleia e você vai precisar conversar com a turma toda. — Ela parece divertir-se com a situação. Por fim desgruda de Ale'ek e ajuda Tan a colocar Grusha dentro do veículo. — Sinto muito mas se quer resolver na conversa, vai ter que passar pela burocracia. Eu tentei acabar tudo na porrada e você fugiu!

Apesar de ser mais civilizado do que a maioria esmagadora de sua raça, o Haytok aparentemente não sabe dirigir a julgar por seu reflexo de sentar-se automaticamente no banco dos passageiros.

— E então, o que me dizem? Escuta, depois de conversarmos com vocês... achamos que não têm necessidade de brigar.

— Caham! Aplicar a justiça derradeira da...!

—... Milícia do Povo. Enfim, nós ainda estamos com os seus homens e podemos liberar caso você convença o pessoal. Mas precisam se decidir logo antes que ela decida continuar com os lemas.

Frederick não podia decidir sobre aquilo, mas estava com um rosto de que aceitava completamente as exigências.
Então, ficou encarando o capitão como uma criança pedindo sucrilhos no mercado.