Sangue de barata

Os sentidos são a arma mais importante de um guerreiro. Através de seu tato, olfato, audição, paladar e visão ele dá um jeito de sobreviver em meio a mais intensa das batalhas


Bayon acorda já de cara com a cabeça decepada de um soldado de batalhão aliado. Não que isso importe, afinal ele já havia lutado contra e junto daquele mesmo guerreiro inúmeras vezes. A morte já não importa mais, e o Haytok já nem sabe porquê está lutando.

Ainda tonto e com os sentidos confusos, Bayon ouve um rugir feroz atrás de si, e seu instinto diz que não é um sinal bom. Ele pode jurar que cresceu ao lado daquela pessoa. Mas a morte já não importa mais.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤVocê acabava de acordar; seu antigo rival, e membro do mesmo clã, jazia aos seus pés sem um único respingo de vida. A fúria começava a tomar conta do seu corpo, enquanto a visão duplicada pela o recente recobrar dos sentidos acabava o fazer virar o rosto quando a voz rouca de um dos chefes acabava por chamar a sua atenção.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤApesar dele ser grande, você era maior. Sua genética superior o fazia olhar de cima, no auge dos seus quase três metros de altura e sua mais de meia tonelada de peso você rodava o corpo pegando ele pelo braço e o arremessando contra uma das grossas árvores que ali estava. Sem entender, sem reconhecer inimigo e aliado. Sua fúria explodia enquanto seus punhos se fechavam.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ-DESTRUIR QUEM XINGAR MIM!!! - Sua voz ecoava como um trovão pelo campo enquanto de um salto poderoso, após fincar suas pernas no chão, você tentava esmagar a caixa toráxica daquele que tinha a pele verde e a ossatura esbranquiçada. Claramente não era um descendente da sua tribo.

A chuva em Jannu parece lamber as feridas do Haytok conforme mais violência é gerada. A árvore que se parte quando o monstro colide contra seu tronco resume toda a catástrofe dessa terra decadente conforme a natureza vasta serve apenas como palco para uma matança sem fim. Seria Bayon apenas mais uma parte disso?

O agressor paralisa após o golpe brutal, expelindo seu sangue gosmento pela boca. Quantas pessoas são lideradas por aquele homem? Quem depende dele? Nada daquilo importa num local onde se morre mais do que se nasce.

— BARATA IMUNDA! — Ele vocifera, claramente enojado ao tocar Bayon. — SUA CABEÇA LOGO SERÁ OURO NO MEU BOLSO.

Antes que possa reagir, o bárbaro é surpreendido por dois outros Haytok que se aproximam por trás e o seguram pelos braços, imobilizando seus movimentos. Como se não fosse suficiente, ele pode ver os olhos do seu agressor se tornarem completamente vermelhos na cor do sangue. Seus músculos, agora expostos pela perda da armadura, se incham ainda mais e suas veias saltadas parecem que vão explodir a qualquer momento.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤQuando os seguidores daquela besta esmeralda abraçam seus albinos braços, que contrastam com o negro das demais parte do seu corpo; o carmesim parece que simplesmente perdeu toda a sua força de intimidação. Ele grita, você esberra. Ele incha, você se torna quente. Seu corpo começa a liberar pequenas rajadas de vapor, cada vez mais quentes.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ

Seu machado impiedoso atinge em cheio as costelas do oponente. O golpe certamente mataria um ser de qualquer raça que não tenha a pele blindada dos Haytok. O que para muitos seria uma matança, é apenas um teste de força para os membros dessa raça.

O chefe bárbaro rosna e vocifera, incapaz de pronunciar uma palavra em meio ao seu frenesi. Os dois outros que capturaram Bayon divertem-se com a situação, perguntando-se quando seria a vez deles de se divertir. Apesar de terem aceitado o trabalho por dinheiro, não podem negar que a luta com um membro daquele tão temido clã é muito mais atrativa.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤO fogo do seu corpo de Haytok albino começa a se tornar mais atrativo, conforme o machado se desprendia da sua carne. Sua pele era manchada por um líquido viscoso e negro, algo pichoso que somente seu clã possuía. Estava na hora de você finalmente se tornar aquilo que nasceu para ser, liberar toda a sua fúria numa explosão de ódio.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤO peso de dois outros guerreiros, foi o suficiente para que seu músculo subescapular fosse incapaz de exercer pressão o suficiente para te livrar daqueles dois, mas a sua lombar ainda está livre e suas pernas gigantescas também.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤCom a força daqueles que o prendiam, suas pernas subiram na altura do peito do oponente enquanto você se soltava largando seus mais de meia toneladas de peso em direção ao chão. O chute voador que mirava na costela flutuante, iria acertar seu oponente no mesmo momento em que ele te acertaria e se assim você o conseguir. A costela perfuraria seu coração na mesma hora.

Apenas mais uma morte sem sentido. Algumas horas atrás, aquele mesmo Haytok havia aproveitado-se de algumas fêmeas e comprado umas bebidas num bar, até deparar-se com alguém que queria Bayon morto. Aproximadamente vinte anos de vida jogados no lixo sem nenhuma razão. 

E seus dois companheiros ainda querem batalhar. A queda do líder serve apenas como incentivo para que derrotem o oponente sozinhos e consigam subir na hierarquia, apenas para morrer subitamente também.

Um deles, cobiçando o afiadíssimo machado que o líder ostentava, larga Bayon de maneira inconsequente para apanhar a arma. Essa é a brecha que o monstro precisa para se livrar da imobilização.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤAssim que um deles te solta, todo o seu peso é usado como uma espécie de alavanca. Você girando seu calcanhar levanta o que sobrou e o usa como uma espécie de escudo enquanto corre na direção do oponente que tenta roubar sua arma. Você vibra as cordas vocais, fazendo o calor subir ainda mais rápido. Seus olhos negros encaravam seus inimigos com a fúria.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤLevantando seu braço preso, ainda com o inimigo ali pendurado, você joga seu peso mais o dele sobre aquele que caiu no chão. Buscando causar uma espécie de dano nele, seu punho livre em contra-partida mira aquele que ainda o segura. O soco vem rasgando o ar, se bem sucedido o seu punho fechado faz o corpo dos dois serem grudados - por um breve período de tempo - um no outro devido o peso do golpe.

Com a onda fortíssima de vapor quente liberada junto com o golpe, os dois monstros caem um sobre o outro. Mais um combate vencido, mas apenas parte de outro dia de sobrevivência. Se permanecer vivo em Jannu já é difícil, ser caçado é quase impossível.

Com o fim do combate, Bayon pode sentir sua ira irracional se esvair, apenas para alguns minutos de paz antes de ficar atento novamente para um novo ataque. Quase como se tivesse se tornado mais observador quando venceu a luta, ele pode notar um detalhe importante: a armadura do líder daqueles caçadores de recompensa é bem mais tecnológica do que a maior parte das disponíveis no planeta.

O Haytok sabe sobre os rumores de um forasteiro se escondendo nas colinas, e também sabe que está pagando por uma segurança. Poucos sabem, porém, que o território onde ele teoricamente está é conhecido por explorar clandestinamente os recursos de Jannu.

Subitamente, ele ouve o som das folhas reagirem a passos por trás das árvores, mas Bayon sabe bem que não se trata de outra emboscada... um Haytok não se esconde.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤVocê chega aqui finalmente, depois de muitos tropeços e adentra sua vila indo diretamente ao xamã para tentar se curar das tretas

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤAssim que o estranho começava a falar com você, os vários pedaços de carne e comida que você mastigava com a boca aberta e quase derrubando da boca voam na direção dele quando você grita em sua direção.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ-EU.. FORTE... NINGUÉM ME COMER! - Você batia com uma das mãos na mesa, a fazendo tremer enquanto se levantava e ia em direção ao afeminado o medindo de cima a baixo.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤAo que o bárbaro se moveu, os olhos desgastados da viagem, avermelhados em suas laterais, encaravam aquela cena um tanto estranha.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ— Realmente, o senhor parece bem forte. Irei me retirar e não incomodarei a sua refeição. — Disse enquanto erguia o polegar destro até as bochechas para limpar a saliva com resíduos de comida que o monstro havia cuspido enquanto falava. Ale'ek simplesmente se virou após isso e começou a caminhar para o lado oposto do local onde havia encontrado aquela figura.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤVocê via o forasteiro indo embora e ele até parecia bem cansado. Ao passo que ele começa a se afastar e o fato dele ter pedido desculpas, como um bom hóspede, você leva um pedaço de carne tão grande quanto seu braço e vira o homem em sua direção. Força o braço dele num dobrar pro alto e coloca ali o alimento, voltando para seu local e se sentando.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤComo não tem npcs, você não sabe o que fará além de comer.

Bayon e Kitty podem ver uma concentração de pessoas em um ponto aparentemente aleatório da aldeia, enquanto alguns que nem presenciaram o que aconteceu se unem ao redor da confusão. Apesar dos haytok serem violentos, se respeitam enquanto estão no mesmo barco. Principalmente no clã de Bayon, aonde são todos segregados e excluídos de qualquer tipo de civilização primitiva.

O primeiro já se sente um pouco melhor em relação aos seus ferimentos, tendo ao menos a certeza de que vai sobreviver. A segunda acaba de receber uma súbita notificação em seu dispositivo portátil, anunciando que uma quantia absurda de vinte mil créditos acaba de ser transferida para sua conta por um anônimo. A quantia é exageradamente grande para a Reconquista, que sobrevive economicamente, ainda mais para uma missão "simples" como foi aquela. Com aquele dinheiro ela poderia comprar equipamentos muito melhores ou até uma nave própria.

Quase que no mesmo momento, Ale'ek vê uma lança ser arremessada próxima ao local aonde está. Sua intenção aparentemente não é de acertá-lo, ela carrega uma mensagem, não presa a si mas entalhada na própria madeira que a compõe. Por mais que o planeta onde ele esteja seja o menos civilizado de toda a galáxia, essa mensagem parece estar escrita na língua padrão do aglomerado, cuja qual não foi ensinada pelos habitantes de Jannu.

"Forasteiro. Voce convokado. Negocios. Tenos coisas de interese. Atras da colyna. Cidad destruìda. Lugar grand."

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤO corpo foi forçado a se virar com a aproximação da figura estranha, a destra se ergueu para esconder o rosto, talvez atualmente seu bem mais valioso, mas logo via que o homem segurou a carne que foi entregue, não tinha fome no momento, mas comida sempre era bem vinda.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤAntes que pudesse agradecer aquela valiosa carne, sentiu o ar cortar próximo a seu ombro, era rápido a sensação de congelamento interno do homem que parecia ter dificuldade de segurar a carne e o guarda-chuva que usava para fazer sombra em seu corpo.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ— Por que não me acertou? Nem pra isso eu to servindo... — Sussurrou para si mesmo antes de conseguir encarar a arma que não lhe fez o favor de finalizar seu cárcere mortal, aquelas escritas não podiam ser destinadas para ele, afinal, ele acabou de chegar e não se considerava realmente importante.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ— Ei. — Disse me tom alto enquanto indicava a lança para os presentes. — Acho que essa mensagem é pra vocês... Não a lança... Digo, a lança, a escritura da lança... Conseguem ler, né?

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤVocê continua comendo. Nem se preocupa com a lança e não sabe o que aquele aparato ta dizendo. Você ignora tudo e continua comendo.

Poucos segundos se passam, e a multidão rapidamente se abre. Dois Haytoks sangram muito no centro da muvuca, enquanto os outros olham fixamente para Bayon. Seus semblantes transmitem preocupação e, em alguns casos, ódio.

- O que diabos você fez?! - Exclama um dos membros da tribo apontando para o albino. - Precisamos tirar ele daqui agora!

- Cala a boca, seu merda! - Retribui outro enquanto empurra o acusador contra uma parede. - Ninguém é expulso.

- Ele condenou nossa vila. Se não tirarmos ele daqui, vamos todos morrer!

Tal como os dois Haytoks, todos se olham em dúvida. Seja lá o que for a situação, parece bem tensa para chegar a ponto de desestabilizar a tribo daquela maneira.  Os clãs em Jannu são a única forma de civilização, ainda que tribal, e costuma ser difícil de abalar.

A confusão para quando todos abrem caminho para a passagem de um Haytok em especial, Krodiiq. Apesar dos Lak'ashotok não possuírem um líder oficial,  muitos consideram o exemplar mais velho como o dono desse posto, e todos indiscutivelmente o respeitam.

- Bayon Na'Lak'ashtok, esse irmãos feridos vem com uma mensagem do clã Taliith. Preciso saber o que você fez.

— Não conshff. — (Lê-se: "Não consigo.") Disse mastigando um outro pedaço de carne sem prestar muita atenção ao que estava escrito na mensagem, eu realmente não queria olhar.

Quanto terminei, voltei a me erguer para ver o que se passava. Apesar de já ter uma breve noção. Passamos tempo demais naquele lugar.

— Você vai ficar? — Finalmente perguntei ao albino.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤVocê terminava de comer rapidamente, se levantando de sua cadeira quando o ancião viera lhe perguntar. Coçou o ouvido com um certo desdém, ele era mais velho e por isso mais sábio... só que todo Lak'ashotok era por essência burro, estúpido, incapaz de pensar com clareza e simples máquinas de guerra. Sim é isso que vocês são, até mesmo para os padrões Haytokianos.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ-BO'AN YASHA! ESMAGUEI QUEM TENTOU ME MATAR! - Disse você todo orgulho. Olhando para a garota, pensava que poderia ter mais batalhas pelo futuro ali em diante. Ficar com um monte de baratas que se acovardavam perante membros de outro clã te deixava cheio de fúria, uma raiva quase incontrolável. MAIS BATALHAS... ALÉM! VAMOS! - Disse para a reptiliana a seguindo para onde fosse, pegando um último pedaço da carne.

As sobrancelhas do ancião se arqueiam em desgosto após a resposta orgulhosa do bárbaro, claramente preocupado ao ouvi-la. Por mais que os guerreiros daquele clã sejam poderosos, os Taliith são temidos em todo o território de Jannu. Eles são o mais próximo de qualquer liderança global e nada acontece sem que saibam.

— Inconsequente! — Vocifera, irado. — Matou os filhos de Vaash e condenou todo o clã. Você PRECISA se entregar. 

Próximos aos dois, uma muvuca nova se forma. Alguns mais tímidos, alguns mais corajosos, mas a maior parte apoia a decisão do ancião. Bayon ainda não está sozinho, uma vez que alguns guerreiros parecem observar e desaprovar de longe, buscando o combate assim como o albino. Nesse momento, Kitty pode perceber o quão problemático pode ser aquele planeta.

Se houvessem Garesianos aqui eu me sentiria mais motivada, admito. Cocei a cabeça, cada vez menos motivada a ficar. Todo mundo era cabeça dura demais aqui. Na minha concepção eu tinha muito mais a perder do que a ganhar.

Com meu armamento por baixo da capa, comecei a andar. Se começassem uma briga, eu interferiria.

Você sai andando dali, na verdade nem liga. Se alguém viesse te atacar e parecem de covardia, você até retribuiria. . . mas aqueles não valiam seu esforço e tempo, não mais.